FELICIDADE
No carnaval de 1981 resolvi passá-lo em um orfanato na M.Ramacrisna cuidando das crianças e meditando.No sábado,após a meditação no templo peguei um raminho murcho,cinzento do grande vaso de hortências,coloquei na casa da minha blusa e desci para meu quarto,antes de todos, pois eu queria acordar bem cedinho pra fazer o café das crianças.
Instintivamente coloquei o raminho de hortência num copo d'agua e fui dormir.Geralmente apago nos primeiros minutos e naquele dia toda hora eu me virava e olhava na direção do copo.Já eram duas da madrugada e meu pescoço doía de tanto torcê-lo para olhar o galhinho a uns três metros da cama.
Decidida a dormir,levantei-me,peguei o copo com o galhinho para colocá-lo num tamborete junto a minha cama,quando me dei conta de que o galhinho de hortência estava naquela hora todo florido,como se tivesse acabado de ser colhido. Fiquei emocionada com aquilo,peguei meu caderno e escrevi um versinho,para segurar aquele momento.
Já ia virar-me pra parede quando quis dar a última olhada de boa noite e vi em toda a flor uma enorme sorriso iluminado e dentro do sorriso entendi algo como: "Obrigado"
E porque tudo que eu queria era dormir para levantar cedo, enquanto me virava de novo para a parede eu disse: Ah,agradece a água! Falei depressa e cobri minha cabeça .Nisto, algo me bateu no ombro e de novo instintivamente me virei e juro,ela respondeu: "mas foi você quem me colocou na água!"
Depois dessa,aí mesmo que não dormi mais e por mais incrível que pareça,passei todo o carnaval sem dormir,sem aguentar levantar e envergonhada ,pois eu não conseguia me arredar do quarto e ir cuidar das crianças.
Terminado o carnaval eu não tinha cara para olhar as pessoas, então fui para um antigo pomar,deitei-me na grama e só me perguntava,por quê,por quê não fui capaz de fazer o que planejara.
Era tardinha,depois das quatro e olhando para o sol eu repetia,por quê,por quê...
E foi aí que aconteceu a coisa mais fantástica.
Fitando o Sol, eu vi uma imensa espiral de agulhas de luz ,vinda na minha direção e quanto mais se aproximava dos meus olhos menor eu me sentia e uma paz extraordinária foi se apoderando de mim e,ali no pomar onde eu estava deitada,tinha uma geografia interessate,um platô arredondado e lá em baixo corria um riachinho.A medida que a paz me dominava e eu diminuía, senti que todo o planeta se aconchegava,e diminuía até se tornar uma única célula.
Eu,naquela hora não via mais o meu corpo,eu só sabia que existia porque a paz se transformou num estado de felicidade e a felicidade me revelava ser uma enzima feliz, integrada,acorrentada a uma multidão de outras,deslizando no labirinto de uma mitocôndria. O Sol era o ponto de ligação da célula a outras células do universo.
Nunca em toda a minha vida senti tanta felicidade como naquela hora.
SOFRIMENTO
Terminado o carnaval voltei pra cidade e aos meus afazeres normais.Ao varrer a casa cheia de brinquedos espalhados,peguei uma bolinha de gude que estava debaixo da cama.Ainda ajoelhada,deixei a bolinha rolar na minha mão e de repente aproximei-a dos olhos e de novo algo extraordinário aconteceu.
Ao mirar bem a bolinha de gude azul claro,observei centenas de pontinhos luminosos dispersos dentro dela e a medida que eu encantada olhava, sentia que cada pontinho de luz dentro da bolinha era uma galáxia .
Quanto mais olhava mais crescia e mais triste eu ficava.
O universo estava na minha mão.
Cresci tanto que me senti deus.Um deus terrivelmente infeliz.
Eu deus,não estava dentro do mundo! O mundo rolava alheio a mim em minha mão. E deus,que varria a casa. ia jogar o universo numa caixa de brinquedos...
Nunca fui tão infeliz como naquele dia que fui deus
Se você puder encontrar algo nestas historinhas,eu adoraria saber o que elas escondem. Um grande abraço . Adeir
Data: Fri, 13 May 2005 21:47:53 - 0300
De Adeir - Para Celia H. Barcellos
De Adeir - Para Celia H. Barcellos
Historinhas de verdade ,vividas no Carnaval de 1981
Um comentário:
Em 13 de março de 2010 15:25, Anônimo escreveu:
Anônimo(Ana Maria Sampaio) deixou um novo comentário sobre a sua postagem "Mito ou Verdade?":
Creio que não é "herético imaginar que a natureza não se presta às nossas expectativas de ordem". Creio, sim, que é muito pretensioso imaginar a natureza atendendo às nossas expectativas.
A necessidade que o homem possui de encontrar explicações faz a ciência caminhar, mas jamais deve servir de camisa-de-força para a natureza.
Ana Maria Sampaio
A natureza não se submete às ansiedades e aos desejos de segurança e ordem. Ela compreende o homem, mas é bem maior, muitíssimo maior, que o homem.
Ana Maria Sampaio
Minha resposta ao Comentário:
Ana Maria,
A frase "herético imaginar que a natureza não se presta às nossas expectativas de ordem" ,não é minha,foi resposta do dono do texto.Comentei em maiúsculas,para destacar do texto lido.
O que me aconteceu na terça-feira do carnaval de 1981,pelo que há de mais sagrado,na hora, não me dei conta da grandeza do evento,nem do privilégio de estar sendo alvo do "extraordinário",tão natural, claro e real tudo se deu.Só muitos anos depois, com as imagens sempre renovadas na lembrança é que percebi ter entrado noutra dimensão e vivido, absolutamente lúcida naquilo que Jung chama de Imaginação Ativa.
E a Imaginação Ativa,não é mero imaginar.É tornar-se objeto vivo no estado integral onde se é observador e coisa observada, ativamente criadora. A gente cria, realiza o que não sabe e nem nunca imaginou aquele enredo operado e operante numa continuidade proxima do absoluto e que por isso mesmo nossa pequena consciência não tem como mudar ou interromper. Consciente, a gente só dá o primeiro passo, no meu caso foi a pergunta: Por que?
Perguntava-ME - Por que eu não conseguira cumprir meu plano de trabalhar com as crianças do orfanato,se foi exatamente para isto que fui ali passar meu carnaval!
Verdade que repeti este POR QUE olhando para o Sol . Nunca que eu podia IMAGINAR,que a resposta seria naquela proporção,que todo meu corpo iria participar e usufruir da MÀGICA MAIS ESSENCIAL .Muitas pessoas já podem ter vivido sob este privilégio, mas nunca tiveram coragem de aceitar a realeza da Unidade imperante na alma humana . Porque nós humanos,somos desatentos,não nos amamos nem adoramos a natureza verdadeiramente ,agimos como coisas descartáveis e nos julgamos separados dela.
A MÃE-NATUREZA, não se submete,mas amorosamente se revela em cada canto, em cada flor e em cada semente .Ela como mãe amável acaricia fomentando e refletindo os desejos que não são particulares,desnecessários,são na verdade originados nela, para nos ver crescer,compreendê-la e amá-la.
Se quiser saber mais um pouquinho sobre mim.entre num dos meus bloggers e me dê o seu e-mail pra gente continuar esta conversa,está bem?
Um belo domingo pra NÓS!
Radeir
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