quinta-feira, 11 de novembro de 2010

REDUÇÃO TRANSCENDENTAL



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Definition:
processo imaginativo praticado pela fenomenologia e que consiste em variar-se o conteúdo de uma imagem (por exemplo, em representar-se uma diversidade indefinida de triângulos particulares) para destacar-se a "essência" do fenômeno considerado (a essência universal do triângulo como "figura formada pelos segmentos de reta unindo três pontos não alinhados"). No Esboço de uma teoria das emoções, Sartre praticou essa redução para destacar, da descrição indefinitivamente variada das emoções individuais, a essência ou a natureza universal do fenômeno e a emoção como conduta humana em geral, suscetível de ser conduzida à "recusa de uma situação". Essa redução dos fenômenos à sua essência denomina-se redução eidética. — Distingue-se da redução fenomenológica propriamente dita, que consiste em suspender-se todo juízo de existência e em contentar-se em observar o que aparece: por exemplo, a análise de uma religião só pode ser verdadeiramente compreensiva se suspendermos todo o juízo crítico quanto ao seu valor de verdade; é uma atitude de objetividade, uma "colocação entre parênteses" da atitude natural, parcial e individual. Quando essa redução é exercida por ocasião do espetáculo do mundo, da percepção dos objetos, o espírito suspende sua crença natural na realidade das coisas e toma consciência de sua atividade constituinte originária: toma consciência que o sentido das coisas é produzido pelo espírito. A redução fenomenológica, ou suspensão do juízo de realidade, toma então o nome de reduçãotranscendental (consciência das operações espirituais que condicionam nossa percepção das coisas); prepara o segundo momento da análise fenomenológica, o da constituição. (Essa última interpretação da redução, como o inverso é o complemento da constituição, é própria às obras de Husserl em seu período de maturidade: Experiência e Juízo [Erfahrung und Urteil] e [Ideias] Ideen.) [Larousse]

1. Em lógica chama-se redução, em primeiro lugar, à redução das figuras do silogismo à primeira figura; em segundo lugar, ao método de prova indireta chamado às vezes raciocínio apagógico e com mais frequência redução ao absurdo e redução ao impossível. Neste último caso trata-se de um método indireto de demonstração que prova a verdade de uma proposição pela impossibilidade de aceitar as consequências que derivam da sua contraditória. Os escolásticos definiram a redução ao absurdo como um procedimento no qual se submerge no antecedente a contraditória da conclusão negada com uma das premissas já admitidas e inferindo de um modo perfeito a conclusão incompatível com uma das premissas aceites. O que se faz então é supor como admitidas as premissas e como negada a conclusão do silogismo que se trata de demonstrar. Alguns supõem que a redução ao absurdo é absolutamente certa e concludente; outros, em contrapartida, consideram-na menos certa que uma prova direta.

A redução é um método que se contrapõe ao da dedução. Na dedução derivam-se umas proposições de outras por intermédio de regras de inferência. Na redução deriva-se o antecedente de um condicional da afirmação do consequente. Exemplo:

Se Pedro fuma, Pedro tosse Pedro tosse Pedro fuma.

2. Na fenomenologia, a redução é um processo pelo qual se põem entre parênteses todos os dados, convicções, etc, a que se referem os atos, para voltar sobre os próprios atos. A redução pode ser de duas espécies: na redução eidética põem-se entre parênteses todos os fenômenos ou processos particulares com o fim de atingir a essência. Na redução transcendental, chamada também propriamente _fenomenológica, põem-se entre as próprias essências para atingir o resíduo fenomenológico da consciência transcendental. Segundo Husserl, o método da redução fenomenológica permite descobrir um novo reino da experiência e até criar uma nova experiência, desconhecida dos homens antes da fenomenologia.

3. Num sentido mais geral, embora em vários pontos aparentado com as últimas acepções mencionadas, a redução é o ato ou o fato de transformar algo num objeto considerado como anterior ou mais fundamental. A reduçãoreal como a um objeto real. No primeiro caso é uma forma da recorrência ou até a própria recorrência pela qual um estado mais desenvolvido se converte num estado menos desenvolvido. Por isso se chama também à redução, conforme os casos, regressão ou involução.. No segundo caso, a redução equivale à passagem do fundamento ao seu fundamento. Dentro deste último conceito podem incluir-se as múltiplas teorias reducionistas que proliferaram ao longo da história da filosofia. A tese segundo a qual uma realidade determinada “não é se não” uma realidade que se supõe “mais real” ou “mais fundamental” é a expressão comum de todas as atitudes reducionistas. Estas têm, sem dúvida, uma justificação no postulado da necessidade de simplificação das lei, mas ao mesmo tempo deparam-se-lhe dificuldades derivadas não só da irredutibilidade ontológica que resulta de uma pura descrição das coberturas do real, mas das próprias exigências teóricas das ciências. Quando se usa o termo redução é preciso acordo prévio, não só acerca do significado lógico, psicológico ou fenomenológico, mas também acerca de se por ele se entende a afirmação de que uns entes podem reduzir-se a outros ou simplesmente a tese de que os enunciados correspondentes a uma esfera do real podem traduzir-se por enunciados pertencentes a outra esfera. Por outras palavras, importa sobretudo saber se afirma um reducionismo ontológico ou um reducionismo linguístico. [Ferrater]
pode referir-se, evidentemente, tanto a um objeto


Esta reflexão exigirá em Husserl uma nova forma de sistematização que toma para ponto de partida a situação do sujeito (eu, ego) que reflete sobre a natureza orgânica e psíquica o mundo em geral como totalidade. É a diferença de atitude a respeito desta totalidade do mundo que caracteriza a passagem a uma reflexão de um novo tipo. Esta reflexão toma o nome de «redução». Num primeiro sentido, a redução corresponde em Husserl ao que ele designa «posto entre parêntesis», epoche, ou «suspensão da tese do Mundo».

Em presença do «mundo», duas atitudes são, com efeito, possíveis: uma, a atitude natural ou psicológica e comandada pela «fé no ser do mundo da experiência», quer dizer, perdida na tese (posição) do mundo e de suas objectivações; a outra, que é o próprio da convenção ou reduçãoimanente, incluindo-o como puro correlato intencional. Husserl chamá-lo-á o «noemanoese) que o visa. A primeira redução fenomenológica tem por fim libertar esta esfera ou ser absoluto da consciência pura (Idées, § 49) perfeitamente «fechada» nela mesma.

Mas não se deve entender esta primeira redução como uma supressão do mundo. Aquilo que é destruído (ibid.) é a nossa crença ingênua no seio do mundo pré-dado na experiência. O epoche fenomenológico não é, como a dúvida em Descartes, uma dúvida a respeito da realidade do mundo. Ela não visa separar, por exemplo, a consciência como «alma», do corpo. Porque ela suprime também qualquer «posição» a respeito de um «existente» que seria «a alma». Trata-se nela de uma clivagem muito particular que não separa duas «coisas» uma da outra, mas que revela, pelo contrário, pela intencionalidade, a sua indissociável relação. A redução suprime o «valor de ser» conferido ao mundo na atitude natural, mas ela revela-lhe o sentido, quer dizer que desempenha um papel de revelador das intencionalidades dissimuladas pela crença ingênua no mundo: «o nosso olhar libertado por este epoche abre-se então sobre o fenômeno universal: o universo da consciência puramente como tal...» e, correlativamente, sobre «o fenômeno universal do mundo existente para mim» (Posfácio a Idées). [Schérer]
fenomenológica, «reduz» o mundo ao seu lado puramente mundo» do ato puro (
Juliana Mezzomo Flores1
Mestranda do Programa de Pós Graduação em Filosofia da Universidade Federal de Santa Maria

Natureza humana

 RESENHA

Juliana Mezzomo Flores1
Mestranda do Programa de Pós Graduação 
em Filosofia da Universidade Federal de Santa Maria

As críticas de Heidegger a Husserl representam para muitos um cisma incontornável na tradição fenomenológica. Sob esta ótica, o tratamento dispensado por Heidegger a conceitos tais como consciência, intencionalidade, representação, ego transcendental, intuição categorial, entre outros, demarcou decisivamente dois fronts de combate. Por um lado, afirma-se que a crítica heideggeriana aponta para uma desejável superação do solipsismo husserliano, sobretudo a partir do privilégio dado para a descrição dos comportamentos prático-operativos do ser-no-mundo. Por outro lado, alega-se que este tratamento crítico expressa uma recusa precipitada, resultante de um envolvimento superficial e intransigente com a obra de Husserl. Dependendo do grau de radicalidade com que se defendam as continuidades ou descontinuidades entre os dois projetos filosóficos até mesmo a concepção de uma tradição fenomenológica pode vir a ser posta em xeque.

O livro de Einar Øverenget apresenta uma tentativa sofisticada e original de inserção neste intrincado debate, circunscrevendo-se a um tema igualmente bastante visado pelos interessados na obra heideggeriana: a questão da subjetividade no período de Ser e Tempo. Øverenget articula a investigação da noção apresentada em 1927 com a tese de que a descrição das estruturas ontológicas do Dasein corresponde a uma noção fenomenológica de subjetividade (Øverenget 1998, p. 2). Para tanto, ele inova ao eleger a mereologia (a teoria formal sobre todos e partes) como elemento crucial para a abordagem da relação entre Husserl e Heidegger.

Não é difícil antever que o projeto esboçado por Øverenget traz consigo algumas pressuposições passíveis de discussão. Possivelmente a que se ofereça de modo mais iminente diz respeito à suposição de uma formulação construtiva sobre a noção de subjetividade em Ser e Tempo. Não raro se afirma que a obra do filósofo alemão é justamente uma tentativa de superar a noção tradicional de subjetividade - da qual o ego transcendental husserliano supostamente seria uma das versões - através da introdução do conceito de Dasein. Tal afirmação é documentada textualmente em muitas passagens dos escritos heideggerianos onde o termo “sujeito” não é empregado para caracterizar o Dasein

Ciente das dificuldades apontadas, Øverenget busca fazer frente a este tipo de objeção indicando dois aspectos centrais para a formulação do problema que conduzirá sua argumentação. Em primeiro lugar, salienta que a caracterização do Dasein explicita a recusa de uma noção particular de subjetividade, não da noção de subjetividade enquanto tal. Em segundo lugar, a determinação do Dasein como ser-no-mundo apresentaria uma noção de subjetividade consoante com a fenomenologia husserliana (op.cit., p. 2-4). Assim, delineia-se o procedimento a ser seguido na obra: uma investigação tanto da fenomenologia de Husserl quanto da analítica existencial com vistas a evidenciar a afirmação de que a analítica do Dasein é a interpretação fenomenológica da subjetividade. Tal procedimento traduz-se na estrutura do livro: são 9 capítulos, além de introdução e conclusão. Destes 9 capítulos, os 3 primeiros estão voltados para a apresentação dos princípios da fenomenologia considerados como fundamentais para a analítica existencial. Os capítulos restantes são dedicados à investigação da noção de subjetividade proposta ao longo de Ser e Tempo.

No primeiro capítulo, denominado Todos e partes, temos o detalhamento da mereologia husserliana da 3ª Investigação Lógica (Sobre a teoria dos todos e das partes). Neste capítulo, além de apresentar a mereologia, o autor esmiúça as bases textuais que confirmam sua efetiva utilização em Ser e Tempo. Neste sentido, destaca-se a primordialidade da mereologia para o projeto fenomenológico de delimitar a subjetividade como seu campo próprio de investigação. Central para o autor é que as distinções da 3ª Investigação não são aplicadas apenas a conteúdos mentais, mas concernem às estruturas que necessariamente pertencem a um objeto enquanto tal (op.cit., p. 9). 

A distinção entre momentos e pedaços tem como critério elementar a possibilidade das partes serem representadas separada ou inseparadamente. Separabilidade significa a condição de que a parte representada permaneça sem variações mesmo quando se alterem ou se anulem as partes dadas conjuntamente a ela. No caso da possível separabilidade, as partes são denominadas pedaços (Stücke); no caso contrário, são designadas como momentos (Momente).
Sobre a presença da 3ª Investigação Lógica em Ser e Tempo, o autor afirma que Heidegger faz uso da mereologia enquanto apresenta a composição estrutural do Dasein, bem como na estruturação do projeto da ontologia fundamental. Desde a designação da estrutura ser-no-mundo como uma totalidade composta por momentos, por oposição a um agregado de partes, até a tematização das estruturas do cuidado como essencialmente co-pertinentes, evidencia-se que, além de utilizar a terminologia, Heidegger o faz estritamente em conformidade com os resultados obtidos na investigação husserliana. 

A importância da mereologia para a pergunta pelo ser refere-se à afirmação de que a tarefa fundamental da analítica - expressa por Heidegger como fornecer uma análise concreta do ser a partir de uma análise concreta do Dasein - corresponderia a analisar o Dasein como uma totalidade concreta absoluta (op.cit., p. 27). Na mereologia temos a distinção entre totalidade concreta e parte abstrata. Parte abstrata é análoga a um momento e uma totalidade concreta é uma totalidade composta por partes abstratas. Neste sentido, uma totalidade concreta é relativa quando pode ser parte abstrata de outra totalidade concreta. Em caso contrário, a totalidade concreta é absoluta. Analisar o Dasein concretamente significaria, portanto, comprometer-se com uma descrição que apresentasse suas estruturas ontológicas como partes não-independentes de um todo unificado (op.cit., p. 33). 

Para o segundo e terceiro capítulos é central a preleção de Heidegger de 1925, denominada Prolegômenos à história do conceito de tempo, onde toda a primeira parte é dedicada à interpretação das principais descobertas da fenomenologia, dentre elas a intencionalidade, a intuição categorial e o sentido do a priori. O segundo capítulo é denominado Intuição Categorial e Øverenget procede apresentando em linhas gerais a VI Investigação Lógica, posteriormente considerando a interpretação de Heidegger acerca do tópico na preleção de 1925. 

Sua tese é que a formulação de Husserl acerca da distinção entre intuição sensível e intuição categorial é de importância capital para o tema da diferença ontológica em Ser e Tempo. Novamente, a mereologia tem uma função destacada, uma vez que Øverenget sustenta que a concepção de que os atos categoriais estão fundados nos atos de percepção sensível somente pode ser levada a cabo se as objetualidades categoriais forem consideradas momentos das objetualidades dos atos perceptivos sensíveis (op.cit., p. 42). Assim, a despeito da apreensão de idealidades não ocorrer pela intuição sensível, estas idealidades não podem se apresentar separadamente dos correlatos dos atos da percepção sensível. No entender do autor, tal concepção abriria um espaço para a qualificação do acesso ao aparecimento do ser e, por conseguinte, para ao aparecer que é específico dos entes (op.cit., p. 70). 

No terceiro capítulo temos a reconstrução da interpretação de Heidegger do a priori fenomenológico. Posto em conexão com a teoria dos todos e das partes, o a priori seria um tipo de totalidade específica, uma totalidade concreta absoluta (op.cit., p. 100). Na fenomenologia de Husserl a única totalidade absoluta é a consciência pura. No caso de Heidegger, tal totalidade seria o Dasein como a totalidade ser-no-mundo. Destarte, o Dasein, enquanto única totalidade absoluta, seria a priori em relação aos entes e ao mundo, do mesmo modo que um todo em relação aos momentos: o todo não é anterior por aparecer temporalmente antes ou de modo destacado perante os momentos, mas por aparecer com os momentos como sua unidade, como sua condição de possibilidade (op.cit., p. 104). 

Se a redução transcendental é o descerramento do campo da totalidade absoluta (a consciência pura), o segundo passo representado pela redução eidética equivaleria a investigar a natureza estrutural desta totalidade. Nos capítulos posteriores, Existência, Autoconsciência, Constituição, Si mesmo (Self), o autor salienta que estas duas operações pertencentes ao método fenomenológico são realizadas por Heidegger na analítica existencial. A redução transcendental seria operada pela abordagem heideggeriana da cotidianidade mediana e a redução eidética seria levada a cabo a partir da determinação do Dasein como existência (op.cit., p. 110). 

Com a reconstrução interpretativa da primeira parte de Ser e Tempo Øverenget indica que a natureza da totalidade concreta absoluta na análise heideggeriana é ser existência. A existência possui um tipo de auto-direcionamento que se dá não através de uma introspecção ou reflexão teórica, mas pelo seu envolvimento operativo com o mundo. Neste auto-direcionamento o Dasein é a condição de possibilidade para que os entes apareçam enquanto entes. Assim, o Dasein não pode existir separadamente do mundo, embora, enquanto totalidade concreta absoluta, constitua-o. Neste contexto, o ganho conceitual para descrever a relação entre sujeito e mundo advém da noção de constituição, a qual não pode ser vista como fabricação ou criação, mas designa a dimensão de abertura para ser (op.cit., p. 170).

No penúltimo capítulo, denominado Unidade, entra em discussão a segunda parte de Ser e Tempo. Heidegger explicitamente coloca a pergunta acerca da totalização possível para o Dasein, dado que a própria interpretação do ser do existente humano como cuidado aparentemente requer que se abra mão de uma perspectiva que o apresente como um todo unificado. 

Além de reconstruir detalhadamente a formulação do problema por Heidegger, Øverenget salienta que a tematização dos fenômenos da angústia e ser-para-a-morte equivalem à busca por uma confirmação ôntica das interpretações na analítica. Para o autor, este é o grande avanço introduzido por Heidegger em relação a Husserl (e outros filósofos, como Aristóteles e Kant) (op.cit., p. 314). No último capítulo, Temporalidade, temos a discussão sobre a determinação do sentido do ser do Dasein como temporalidade, a partir da doutrina husserliana da consciência interna do tempo e da interpretação heideggeriana de Aristóteles e da imaginação em Kant. Destaca-se a problematização da questão sobre em que medida a temporalidade seria um fenômeno anterior ao Dasein - questão esta que é abordada com a retomada das análises do a priori fenomenológico (op.cit., p. 307-312). 

Com a elucidação da temporalidade que é própria ao Dasein, chega-se à tematização da noção de subjetividade apresentada na analítica existencial. A caracterização do Dasein como um ente que intrinsecamente relaciona-se consigo mesmo e que é a condição de possibilidade do aparecimento dos entes não seria em grande medida uma inovação diante das análises da filosofia moderna; a diferença residiria em conceber que este sujeito é situado no mundo, é ser-no-mundo. Neste sentido, são os princípios da fenomenologia que permitem a descrição do sujeito sem a introdução da dicotomia sujeito-objeto: “(...) os princípios fundamentais da fenomenologia permitem a realocação da subjetividade no mundo sem eliminar a peculiaridade da subjetividade. Dasein é tanto sujeito quanto estar no mundo, o que significa que o estar relacionado com seu próprio ser e aparecer como condição de possibilidade para o que aparece é algo que acontece no mundo” (op.cit., p. 313). 

Por fim, vale a pena enfatizar que, dentre os princípios da fenomenologia indicados no decorrer do livro, os pertencentes à mereologia possuem um papel fundamental, pois estão na base tanto do a priori quanto da intuição categorial, da intencionalidade e das operações do método fenomenológico. Deste modo, o autor surpreende ao apresentar um tema de ontologia formal (e das ciências formais) como a principal ferramenta para a descrição fenomenológica da subjetividade. Sobretudo, o livro nos coloca diante da questão instigante de se a tese da apropriação da mereologia (caso aceita) é um elemento persuasivo para a defesa do papel decisivo da fenomenologia husserliana em Ser e Tempo e, por conseguinte, no questionamento ontológico pretendido por Heidegger.
 

versão impressa ISSN 1517-2430

Nat. hum. v.9 n.2 São Paulo dez. 2007

Enviado em 02/09/2007.
Aprovado em 15/12/2007.
1Resenha revisada por Róbson Ramos dos Reis (UFSM).
 
 Fonte:
Filosofia- HyperFilosofia
http://www.filoinfo.bem-vindo.net/filosofia/
modules/lexico/entry.php?entryID=614
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ESQUISOFRENIA , repensar


Repensar a esquizofrenia
Nature destaca em editorial e três artigos o conhecimento acumulado a respeito da esquizofrenia e os desafios em busca do melhor entendimento e de tratamentos para o transtorno

Repensar a esquizofrenia

Esquizofrenia é o assunto em destaque na capa da edição desta quinta-feira (11/11) da Nature, que avalia em editorial e em três artigos os avanços obtidos nos últimos cem anos na compreensão desse transtorno psíquico severo. 


No editorial, a revista destaca que a pesquisa científica tem revelado as “complexidades assombrosas” da esquizofrenia, mas também tem mostrado novas rotas para o diagnóstico e o tratamento.
“Nos últimos anos, tem se avaliado que essa coleção de sintomas – que tipicamente se manifesta no início da vida adulta – representa um estágio posterior da enfermidade e que a própria enfermidade pode vir a ser uma coleção de síndromes, mais do que uma condição única”, destaca o editorial. 

No primeiro artigo, Thomas Insel, do National Institute of Mental Health, nos Estados Unidos, faz uma revisão do conhecimento acumulado sobre o tema. Segundo ele, o futuro do assunto reside em “repensar” a esquizofrenia como um distúrbio do desenvolvimento neurológico. 

“Esse novo foco poderá levar a novas oportunidades para a compreensão de mecanismos e para o desenvolvimento de tratamentos para o transtorno. Tratamentos têm sido experimentados há décadas, mas com pouca evolução e resultados na maioria das vezes insatisfatórios”, disse. 

A esquizofrenia é uma desordem mental debilitante que afeta cerca de 1% da população mundial. No segundo artigo, Andreas Meyer-Lindenberg, da Universidade de Heidelberg, na Alemanha, discute como as novas tecnologias de obtenção de imagens estão deixando os aspectos apenas funcionais e estruturais para focar também nos mecanismos dos riscos da enfermidade. 

Para o cientista, essas novas estratégias, como o uso de imagens em genética, possibilitam uma visão muito importante do sistema neural mediado pelo risco hereditário e ligado a variantes comuns associadas à esquizofrenia. 

O artigo sugere que a caracterização dos mecanismos do transtorno por meio do desenvolvimento de tais técnicas poderá somar forças com os atuais projetos de pesquisa que visam à busca de tratamentos. 

No terceiro artigo, Jim van Os, da Universidade Maastricht, na Holanda, e colegas fazem uma revisão do conhecimento atual a respeito das influências ambientais na esquizofrenia e os desafios que essas relações abrem para a pesquisa na área. 

Os autores argumentam que mais pesquisas são necessárias para tentar descobrir a interação entre genética e ambiente que determina como a expressão da vulnerabilidade na população geral pode dar origem a mais psicopatologias severas. 

Os artigos Rethinking schizophrenia (doi:10.1038/nature09552), de Thomas R. Insel, The environment and schizophrenia (doi:10.1038/nature09563), de Jim van Os e outros, e From maps to mechanisms through neuroimaging of schizophrenia (doi:10.1038/nature09569), de Andreas Meyer-Lindenberg, podem ser lidos por assinantes da Nature em www.nature.com.



 Fonte:
11/11/2010
Agência FAPESP
http://www.agencia.fapesp.br/materia/13029
/repensar-a-esquizofrenia.htm
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TOLERÂNCIA


O cume da tolerância é mais rapidamente alcançado por aqueles que não andam carregados de convicções. Alexander Chase
A tolerância é uma virtude rara e importante. Tem os seus limites, mas estes são geralmente estabelecidos demasiado rigidamente e nos pontos errados. Considere-se a decisão de um juiz madrileno que indeferiu um requerimento, apresentado pela polícia da cidade, no sentido de ordenar às prostitutas da Casa de Campo que andassem mais vestidas. Ali, as prostitutas andavam insuficientemente vestidas com cintos de ligas, corpetes e minissaias reduzidíssimas, o que o chefe da polícia considerava indecente; mas o juiz decidiu que, uma vez que se tratava do uniforme da profissão, elas tinham o direito de andar assim vestidas.

Foi um verdadeiro Daniel a proferir o juízo. A decisão é uma imagem da própria tolerância, e teria sido aplaudida pelo maior profeta da História desta virtude: John Stuart Mill. Na sua obra fulcral Sobre a Liberdade, escreveu: “A humanidade terá muito a ganhar deixando que cada um viva como lhe parece bem, e não forçando cada um a viver como parece bem aos restantes”.
Esta observação tem várias implicações importantes. Define uma pessoa intolerante como alguém que deseja que os outros vivam como ela pensa que eles deveriam viver e que procura impor-lhes as suas próprias práticas e convicções.

Diz que a comunidade humana se beneficia ao permitir o florescimento de vários estilos de vida, pois estes representam experiências com as quais muito se poderá aprender sobre como lidar com a condição humana. E reitera a premissa de que ninguém tem o direito de dizer a outro como ser ou agir, desde que esse ser e esse agir não prejudiquem terceiros. Estes são os princípios do liberalismo, palavra maldita entre os que pensam que, se não se mantiver um controle rígido sobre os pensamentos e os instintos humanos, a Terra abrir-se-á e dela brotarão demônios.

Contudo, a tolerância é não apenas o centro como também o paradoxo do liberalismo. Isto é assim porque o liberalismo impõe a tolerância de perspectivas opostas e permite-lhes expressarem-se, deixando que a democracia das ideias decida qual deve prevalecer. O resultado é frequentemente a morte da própria tolerância, pois aqueles que se orientam por princípios rígidos e perspectivas intransigentes nas questões políticas, morais e religiosas silenciam sempre — se lhes for dada a menor oportunidade — os liberais, uma vez que o liberalismo, devido à sua própria natureza, ameaça a hegemonia que desejam impor.
Assim, à questão “Deverá o tolerante tolerar o intolerante?”, deverá ser dado em resposta um retumbante “Não”. 

A tolerância tem de se proteger a si própria. Pode fazê-lo facilmente, dizendo que todos podem expor um ponto de vista mas ninguém pode forçar os outros a aceitá-lo. A única coerção deve ser a da argumentação; a única obrigação, o raciocínio honesto. Helen Keller disse que “o resultado mais elevado da educação é a tolerância”, e estava certa: pode confiar-se em que, na maioria dos casos, o raciocínio imparcial de um espírito informado favorecerá o bem e a verdade.

A intolerância é um fenômeno psicologicamente interessante porque é sintomático de insegurança e medo. Os fanáticos que, se pudessem, nos obrigariam a agir em conformidade com o seu modo de pensar, poderiam pretender estar a tentar salvar a nossa alma, mesmo contra nossa vontade, mas, na verdade, fá-lo-iam porque se sentiam ameaçados. 

Os talibãs do Afeganistão obrigam as mulheres a usar véu, a ficar em casa e a desistir da sua educação e do seu emprego porque temem a sua liberdade. Os velhos tornam-se intolerantes para com os jovens quando ficam alarmados com a indiferença votada pela juventude ao que eles há muito conhecem e estimam. O medo gera a intolerância e a intolerância gera o medo: o ciclo é vicioso.

Mas a tolerância e o seu oposto não são apenas formas, nem sequer sempre, de aceitação e rejeição, respectivamente. É possível tolerar uma crença ou uma prática sem a aceitar. O que subjaz à tolerância é o reconhecimento de que o mundo é suficientemente vasto para permitir a coexistência de alternativas, e se nos sentimos ofendidos pelo que os outros fazem é porque já nos deixamos envolver demasiado. Toleramos melhor os outros quando sabemos como tolerar-nos a nós mesmos; aprender a fazê-lo constitui um objetivo da vida civilizada.
 
  • autor: A. C. Grayling
  • tradução: Maria de Fátima St. Aubyn
  • original: O Significado das Coisas. Gradiva: 2003.
  • fonte: crítica
 Fonte:
ATEUS.NET
http://ateus.net/artigos/miscelanea/tolerancia/
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EMMANUEL KANT - Ensinar a pensar


Ensinar a pensar

Immanuel Kant
Espera-se que o professor desenvolva no seu aluno, em primeiro lugar, o homem de entendimento, depois, o homem de razão, e, finalmente, o homem de instrução. Este procedimento tem esta vantagem: mesmo que, como acontece habitualmente, o aluno nunca alcance a fase final, terá mesmo assim beneficiado da sua aprendizagem. Terá adquirido experiência e ter-se-á tornado mais inteligente, se não para a escola, pelo menos para a vida.
Se invertermos este método, o aluno imita uma espécie de razão, ainda antes de o seu entendimento se ter desenvolvido. Terá uma ciência emprestada que usa não como algo que, por assim dizer, cresceu nele, mas como algo que lhe foi dependurado. A aptidão intelectual é tão infrutífera como sempre foi. Mas ao mesmo tempo foi corrompida num grau muitíssimo maior pela ilusão de sabedoria. 

É por esta razão que não é infrequente deparar-se-nos homens de instrução (estritamente falando, pessoas que têm estudos) que mostram pouco entendimento. É por esta razão, também, que as academias enviam para o mundo mais pessoas com as suas cabeças cheias de inanidades do que qualquer outra instituição pública.

[...] Em suma, o entendimento não deve aprender pensamentos mas a pensar. Deve ser conduzido, se assim nos quisermos exprimir, mas não levado em ombros, de maneira a que no futuro seja capaz de caminhar por si, e sem tropeçar.

A natureza peculiar da própria filosofia exige um método de ensino assim. Mas visto que a filosofia é, estritamente falando, uma ocupação apenas para aqueles que já atingiram a maturidade, não é de espantar que se levantem dificuldades quando se tenta adaptá-la às capacidades menos exercitadas dos jovens. 

O jovem que completou a sua instrução escolar habituou-se a aprender. 

Agora pensa que vai aprender filosofia. Mas isso é impossível, pois agora deve aprender a filosofar. [...] Para que pudesse aprender filosofia teria de começar por já haver uma filosofia. Teria de ser possível apresentar um livro e dizer: “Veja-se, aqui há sabedoria, aqui há conhecimento em que podemos confiar. Se aprenderem a entendê-lo e a compreendê-lo, se fizerem dele as vossas fundações e se construírem com base nele daqui para a frente, serão filósofos”.

Até me mostrarem tal livro de filosofia, um livro a que eu possa apelar, [...] permito-me fazer o seguinte comentário: estaríamos a trair a confiança que o público nos dispensa se, em vez de alargar a capacidade de entendimento dos jovens entregues ao nosso cuidado e em vez de os educar de modo a que no futuro consigam adquirir uma perspectiva própria mais amadurecida, se em vez disso os enganássemos com uma filosofia alegadamente já acabada e cogitada por outras pessoas em seu benefício. 

Tal pretensão criaria a ilusão de ciência. Essa ilusão só em certos lugares e entre certas pessoas é aceita como moeda legítima. Contudo, em todos os outros lugares é rejeitada como moeda falsa. O método de instrução próprio da filosofia é zetético, como o disseram alguns filósofos da antiguidade (de zhtein). Por outras palavras, o método da filosofia é o método da investigação. Só quando a razão já adquiriu mais prática, e apenas em algumas áreas, é que este método se torna dogmático, isto é, decisivo. 

Por exemplo, o autor sobre o qual baseamos a nossa instrução não deve ser considerado o paradigma do juízo. Ao invés, deve ser encarado como uma ocasião para cada um de nós formar um juízo sobre ele, e até mesmo, na verdade, contra ele. O que o aluno realmente procura é proficiência no método de refletir e fazer inferências por si. E só essa proficiência lhe pode ser útil. Quanto ao conhecimento positivo que ele poderá talvez vir a adquirir ao mesmo tempo — isso terá de ser considerado uma consequência acidental. Para que a colheita de tal conhecimento seja abundante, basta que o aluno semeie em si as fecundas raízes deste método.
Texto retirado de “Anúncio do Programa do Semestre de Inverno
de 1765-1766” 
da coletânea de textos Theoretical Philosophy, 1755-1770 
(edição de David Walford e Ralf Merbote, 
Cambridge University Press, 1992), pp. 2:306-7.
  • autor: Immanuel Kant
  • tradução: Desidério Murcho

 Fonte:
ATEUS.NET
http://ateus.net/artigos/ceticismo/ensinar-a-pensar/
Sejam felizes todos os seres.
Vivam em paz todos os seres. 
Sejam abençoados todos os seres.

EPICURO A MENELAU - Carta sobre a Felicidade

Carta sobre a felicidade

Epicuro
(a Meneceu)
Epicuro envia suas saudações a Meneceu

Que ninguém hesite em se dedicar à filosofia enquanto jovem, nem se canse de fazê-lo depois de velho, porque ninguém jamais é demasiado jovem ou demasiado velho para alcançar a saúde do espírito. Quem afirma que a hora de dedicar-se à filosofia ainda não chegou, ou que ela já passou é como se dissesse que ainda não chegou ou que já passou a hora de ser feliz. Desse modo, a filosofia é útil tanto ao jovem quanto ao velho: para quem está envelhecendo sentir-se rejuvenescer através da grata recordação das coisas que já se foram, e para o jovem poder envelhecer sem sentir medo das coisas que estão por vir; é necessário, portanto, cuidar das coisas que 
trazem a felicidade, já que, estando esta presente, 
tudo temos, e, sem ela, tudo fazemos para alcançá-la.
Pratica e cultiva então aqueles ensinamentos que sempre 
te transmiti, na certeza de que eles constituem os elementos
fundamentais para uma vida feliz.

Em primeiro lugar, considerando a divindade como um ente imortal e bem-aventurado, como sugere a percepção comum de divindade, não atribuas a ela nada que seja incompatível com a sua imortalidade, nem inadequado com a sua imortalidade, nem inadequado à sua bem-aventurança; pensa a respeito dela tudo que for capaz de conservar-lhe felicidade e imortalidade.

Os deuses de fato existem e é evidente o conhecimento que temos deles; já a imagem que deles faz a maioria das pessoas, essa não existe: as pessoas não costumam preservar a noção que têm dos deuses. Ímpio não é quem rejeita os deuses em que a maioria crê, mas sim quem atribui aos deuses os falsos juízos dessa maioria. Com efeito, os juízos do povo a respeito dos deuses não se baseiam em noções inatas, mas em opiniões falsas. Daí a crença de que eles causam os maiores malefícios aos maus e os maiores benefícios aos bons. Irmanados pelas suas próprias virtudes, eles só aceitam a convivência com os seus semelhantes e consideram estranho tudo que seja diferente deles.

Acostuma-te à ideia de que a morte para nós não é nada, visto que todo bem e todo mal residem nas sensações, e a morte é justamente a privação das sensações. A consciência clara de que a morte não significa nada para nós proporciona a fruição da vida efêmera, sem querer acrescentar-lhe tempo infinito e eliminando o desejo de imortalidade.

Não existe nada de terrível na vida para quem está perfeitamente convencido de que não há nada de terrível em deixar de viver. É tolo portanto quem diz ter medo da morte, não porque a chegada desta lhe trará sofrimento, mas porque o aflige a própria espera: aquilo que não nos perturba quando presente não deveria afligir-nos enquanto está sendo esperado.

Então, o mais terrível de todos os males, a morte, não significa nada pra nós, justamente porque, quando estamos vivos, é a morte que não está presente; ao contrário, quando a morte está presente, nós é que não estamos. A morte, portanto, não é nada, nem para os vivos, nem para os mortos, já que para aqueles ela não existe, ao passo que estes não estão mais aqui. E, no entanto, a maioria das pessoas ora foge da morte como se fosse o maior dos males, ora a deseja como descanso dos males da vida.

O sábio, porém, nem desdenha viver, nem teme deixar de viver; para ele, viver não é um fardo e não-viver não é um mal.
Assim como opta pela comida mais saborosa e não pela mais abundante, do mesmo modo ele colhe os doces frutos de um tempo bem vivido, ainda que breve.

Quem aconselha o jovem a viver bem e o velho a morrer bem não passa de um tolo, não só pelo que a vida tem de agradável para ambos, mas também porque se deve ter exatamente o mesmo cuidado em honestamente viver e em honestamente morrer. Mas pior ainda é aquele que diz: bom seria não ter nascido, mas, uma vez nascido, transpor o mais depressa possível as portas do Hades.

Se ele diz isso com plena convicção, por que não se vai desta vida? Pois é livre para fazê-lo, se for esse realmente seu desejo; mas se o disse por brincadeira, foi um frívolo em falar de coisas que brincadeira não admitem.

Nunca devemos nos esquecer de que o futuro não é nem totalmente nosso, nem totalmente não-nosso, para não sermos obrigados a esperá-lo como se estivesse por vir com toda certeza, nem nos desesperarmos como se não estivesse por vir jamais.

Consideremos também que, dentre os desejos, há os que são naturais e os que são inúteis; dentre os naturais, há uns que são necessários e outros, apenas naturais; dentre os necessários, há alguns que são fundamentais para a felicidade, outros, para o bem-estar corporal, outros, ainda, para a própria vida. E o conhecimento seguro dos desejos leva a direcionar toda escolha e toda recusa para a saúde do corpo e para a serenidade do espírito, visto que esta é a finalidade da vida feliz: em razão desse fim praticamos todas as nossas ações, para nos afastarmos da dor e do medo.

Uma vez que tenhamos atingido esse estado, toda a tempestade da alma se aplaca, e o ser vivo não tendo que ir em busca de algo que lhe falta, nem procurar outra coisa a não ser o bem da alma e do corpo, estará satisfeito. De fato, só sentimos necessidade do prazer quando sofremos pela sua ausência; ao contrário, quando não sofremos, essa necessidade não se faz sentir.

É por essa razão que afirmamos que o prazer é o início e o fim de uma vida feliz. Com efeito, nós o identificamos como o bem primeiro e inerente ao ser humano, em razão dele praticamos toda escolha e toda recusa, e a ele chegamos escolhendo todo bem de acordo com a distinção entre prazer e dor.

Embora o prazer seja nosso bem primeiro e inato, nem por isso escolhemos qualquer prazer: há ocasiões em que evitamos muitos prazeres, quando deles nos advém efeitos o mais das vezes desagradáveis; ao passo que consideramos muitos sofrimentos preferíveis aos prazeres, se um prazer maior advier depois de suportarmos essas dores por muito tempo. Portanto, todo prazer constitui um bem por sua própria natureza; não obstante isso, nem todos são escolhidos; do mesmo modo, toda dor é um mal, mas nem todas devem ser sempre evitadas. Convém, portanto, avaliar todos os prazeres e sofrimentos de acordo com o critério dos benefícios e dos danos. Há ocasiões em que utilizamos um bem como se fosse um mal e, ao contrário, um mal como se fosse um bem.

Consideramos ainda a autossuficiência um grande bem; não que devamos nos satisfazer com pouco, mas para nos contentarmos com esse pouco caso não tenhamos o muito, honestamente convencidos de que desfrutam melhor a abundância os que menos dependem dela; tudo o que é fácil de conseguir; difícil é tudo o que é inútil.

Os alimentos mais simples proporcionam o mesmo prazer que as iguarias mais requintadas, desde que se remova a dor provocada pela falta: pão e água produzem o prazer mais profundo quando ingeridos por quem deles necessita.

Habituar-se às coisas simples, a um modo de vida não luxuoso, portanto, não só é conveniente para a saúde, como ainda proporciona ao homem os meios para enfrentar corajosamente as adversidades da vida: nos períodos em que conseguimos levar uma existência rica, predispõe o nosso ânimo para melhor aproveita-la, e nos prepara para enfrentar sem temos as vicissitudes da sorte.

Quando então dizemos que o fim último é o prazer, não nos referimos aos prazeres dos intemperantes ou aos que consistem no gozo dos sentidos, como acreditam certas pessoas que ignoram o nosso pensamento, ou não concordam com ele, ou o interpretam erroneamente, mas ao prazer que é ausência de sofrimentos físicos e de perturbações da alma. Não são, pois, bebidas nem banquetes contínuos, nem a posse de mulheres e rapazes, nem o sabor dos peixes ou das outras iguarias de uma mesa farta que tornam doce uma vida, mas um exame cuidadoso que investigue as causas de toda escolha e de toda rejeição e que remova as opiniões falsas em virtude das quais uma imensa perturbação toma conta dos espíritos.

De todas essas coisas, a prudência é o princípio e o supremo bem, razão pela qual ela é mais preciosa do que a própria filosofia; é dela que originaram todas as demais virtudes; é ela que nos ensina que não existe vida feliz sem prudência, beleza e justiça, e que não existe prudência, beleza e justiça sem felicidade. Porque as virtudes estão intimamente ligadas à felicidade, e a felicidade é inseparável delas.

Na tua opinião, será que pode existir alguém mais feliz do que o sábio, que tem um juízo reverente acerca dos deuses, que se comporta de modo absolutamente indiferente perante a morte, que bem compreende a finalidade da natureza, que discerne que o bem supremo está nas coisas simples e fáceis de obter, e que o mal supremo ou dura pouco, ou só nos causa sofrimentos leves? Que nega o destino, apresentado por alguns como o senhor de tudo, já que as coisas acontecem ou por necessidade, ou por acaso, ou por vontade nossa; e que a necessidade é incoercível, o acaso, instável, enquanto nossa vontade é livre, razão pela qual nos acompanham a censura e o louvor?

Mais vale aceitar o mito dos deuses, do que ser escravo do destino dos naturalistas: o mito pelo menos nos oferece a esperança do perdão dos deuses através das homenagens que lhes prestamos, ao passo que o destino é uma necessidade inexorável.

Entendendo que a sorte não é uma divindade, como a maioria das pessoas acredita (pois um deus não faz nada ao acaso), nem algo incerto, o sábio não crê que ela proporcione aos homens nenhum bem ou nenhum mal que sejam fundamentais para uma vida feliz, mas, sim, que dela pode surgir o início de grandes bens e de grandes males. A seu ver, é preferível ser desafortunado e sábio, a ser afortunado e tolo; na prática, é melhor que um bom projeto não chegue a bom termo, do que chegue a ter êxito um projeto mau.

Medita, pois, todas estas coisas e muitas outras a elas congêneres, dia e noite, contigo mesmo e com teus semelhantes, e nunca mais te sentirás perturbado, quer acordado, quer dormindo, mas viverás como um deus entre os homens. Porque não se assemelha absolutamente a um mortal o homem que vive entre bens imortais.

Fonte:
Ateus.net

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

SANGUE A PARTIR DA PELE

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Pesquisa transforma pele em sangue

Cientistas canadenses descrevem na Nature terem conseguido
produzir sangue a partir de células da pele,
sem a necessidade de passar por um estágio pluripotente (divulgação)

Divulgação Científica

Pesquisa transforma pele em sangue

8/11/2010
Agência FAPESP – Um grupo de cientistas do Canadá descobriu como fazer sangue a partir da pele. Os pesquisadores conseguiram converter fibroblastos humanos diretamente em geradores de sangue, sem a necessidade de que as células passem por um estágio pluripotente (de diferenciação para um tecido).

A novidade foi descrita em artigo publicado neste domingo (7/11) no site da revista Nature.
A capacidade de reprogramar células em um estado pluripotente tem sido limitada pela falta de compreensão do processo por meio do qual essas células se especializam.

Mickie Bhatia e colegas da Universidade McMaster usaram o fator de transcrição OCT4 junto com um tratamento específico com citocinas (proteínas ou peptídeos que podem ser produzidos por diversas células) para gerar, em laboratório, progenitores capazes de dar origem a uma ampla gama de células sanguíneas maduras.

As células foram derivadas diretamente de fibroblastos de tecido conjuntivo, sem que primeiramente ocorresse a pluripotência. Ou seja, foi possível obter sangue a partir da pele sem precisar do estágio intermediário de produzir células pluripotentes a partir de células-tronco da pele.

Segundo os autores, a conquista poderá levar ao desenvolvimento de fontes de células para aplicações clínicas. No futuro, pacientes que precisem de sangue para cirurgia, tratamento de câncer, anemia ou outra condição poderão ser capazes de ter o sangue criado a partir de células de sua própria pele. O grupo estima começar testes clínicos a partir de 2012.

“Mostramos que o processo funciona com o uso da pele humana e agora queremos melhorar o processo. Pretendemos começar a trabalhar no desenvolvimento de outros tipos de células humanas a partir da pele”, disse Bhatia.

Segundo o cientista, o método foi testado por diversas vezes nos últimos dois anos, com pele de pessoas jovens, adultas e idosas, demonstrando que funciona para qualquer idade.


O artigo Direct conversion of human fibroblasts 
to multilineage blood progenitors (doi: 10.1038/nature09591), 
de Mickie Bhatia e outros, pode ser lido por 
assinantes da Nature em www.nature.com.

 Fonte:
Agência FAPESP

Sejam felizes todos os seres.
Vivam em paz todos os seres. 
Sejam abençoados todos os seres.