Conversando com Einstein
Por Carlos Rezende
Antes de me encontrar com Einstein novamente, achava-me eu subjugado por idéias que nasciam em mim ao menor eco da palavra “descoberta” em minha mente. Nada, parecia-me, podia ser mais elevado: a posição do homem na esfera da criação—e a soma de seus conhecimentos poderia ser deduzida da soma de suas descobertas.
Volvamos nossa atenção para um exemplo da mais recente história da filosofia e da descoberta. A continuidade absoluta de eventos era um dos cânones do pensamento, e mesmo hoje ainda é ensinado por filósofos sérios como um elemento incontrovertível de nosso conhecimento. O dito antigo de que “a natureza não dá saltos”, popularizado por Lineu, é uma das fórmulas desta aparentemente invencível verdade. Contudo, nas camadas mais profundas da consciência humana tem havido sempre uma oposição a ela, e quando o filósofo francês Henri Bergson pôs-se a quebrar esta linha de continuidade através da metafísica, isso significou atribuir ao conhecimento humano um caráter intermitente, cinematográfico—ele estava apenas proclamando em audível e eloqüente forma o que se mantinha latente em uma nova, embora incompleta filosofia. Bergson não fez nenhuma “descoberta”, ele encontrou o seu caminho intuitivamente para um novo campo de conhecimento e reconheceu que o tempo estava maduro para uma descoberta atual. Esta nos foi, de fato, apresentada em nossos dias pelo eminente físico Max Planck, o ganhador do Nobel de 1919, na forma de sua teoria quântica.
Isto não é para ser tomado como a significar que uma filosofia revolucionária e um triunfo da pesquisa científica agora vieram a coincidir, mas tão somente que as descontínuas ou intermitentes seqüências da estrutura atomística, foi provado, por meio de armas da ciência exata, valer também para a energia, a qual, de acordo com a ciência anterior, devia irradiar regularmente, em fluxo contínuo, e agora se propaga em pacotes, descontinuamente.
Mas era para a casa de outro descobridor que eu agora me encaminhava. Encontrei Einstein, como sempre, sentado diante de folhas de papel soltas, que suas mãos haviam coberto com símbolos matemáticos, com hieróglifos dessa linguagem universal que, de acordo com Galileu, foi escrito o grande livro da Natureza. Fui logo quebrando o fio de seus pensamentos com a pergunta:_O que é Descoberta, e o que ela significa?
Em primeiro lugar, desconcertou-me ouvir Einstein dize:
_ “O uso da palavra ‘descoberta’ é em si mesmo algo para ser menosprezado, pois descobrir é equivalente a tornar-se consciente de uma coisa que já está formada; este uso associa-se com o ato de provar, o qual deixa de possuir o caráter de ‘descoberta’, mas, em última instância, de aquilo que leva à descoberta”. Ele então declarou em termos fortes:
_ “Descoberta não é de fato um ato criativo!”
Argumentos a favor e contra este ponto de vista relampejaram em minha mente, e pensei involuntariamente em um grande compositor, a quem foi perguntado: ’O que é gênio?’, para receber a resposta: ’Gênio é aquele a quem ocorrem idéias’. Este paralelo poderia ainda ser levado mais distante, pois ouvi repetidamente Einstein chamar as ‘idéias’ como sendo aquilo que consideramos como pensamentos maravilhosos. Não foi o filósofo Mauthner quem se referiu à teoria da gravitação como um insight de Newton?Sim!No sentido aplicado aos antigos filósofos gregos, e isso inclui quase tudo o que foi deixado por Pitágoras, Heráclito, etc. Por outro lado, todos estamos desejosos de diferenciar claramente entre uma idéia e um ato criativo de pensamento, como ocorre no aforismo de Grillparzer: ’uma idéia não é um pensamento;um pensamento conhece seus limites,enquanto a idéia salta sobre eles e acontece não conseguir nada’.
Chegado a este ponto, fui a Einstein e lhe pedi para caracterizar em poucas palavras a sua ‘idéia’ que abalou o mundo:
_“O pensamento subjacente à relatividade”, disse ele, ”é que não há, fisicamente, nenhum estado de movimento único (especialmente favorecido). Ou, mais exatamente, entre todos os estados de movimento não há nenhum que seja favorecido no sentido em que, em contraste a outros, dele se possa dizer que seja um estado de repouso. Movimento e repouso não são somente por definição formal, mas também pelos seus significados físicos intrínsecos, conceitos relativos”.
Muito bem então, interpus eu, certamente este foi um ato criativo!Este que primeiro atravessou sua mente, Professor; ele representa sua descoberta, de modo que podemos deixar a palavra associada a ele!
_“De modo algum”, respondeu Einstein, ”uma vez que não é verdade que este princípio fundamental ocorreu-me como um pensamento primário. Se tivesse ocorrido deste modo, talvez fosse justificável chamá-lo de uma ‘descoberta’. De fato, fui levado a ele por passos de leis individuais derivadas da experiência”.
Einstein suplementou suas palavras enfatizando a concepção da ‘invenção’ e conferindo a ela uma considerável importância: ”A invenção ocorre aqui como um ato construtivo. Isto não constitui alguma coisa de essencialmente original com a matéria, mas sim é a criação de um método de pensamento para se chegar ao qual se requer um sistema de lógica coerente... mas a verdade é que o fator principal é sempre a intuição”.
Interrompendo sua observação, perguntei: Pode-se dizer que as leis estabelecidas por Galileu e Newton foram deduzidas da experiência? Minha razão para isso é que toda a ciência natural é ciência da experiência e não algo meramente baseado na especulação.
_“De jeito nenhum”, replicou Einstein. ”A descoberta da lei do movimento retilíneo de um corpo sem influenciação externa não foi resultado da experiência. Bem ao contrário! O círculo também é uma linha de movimento simples, e foi proclamado como tal por predecessores de Newton como, por exemplo, por Aristóteles. É necessário um enorme poder de abstração, que só um gigante da estatura de Newton foi capaz, para estabelecer que o movimento retilíneo é a forma fundamental.A isso pode-se acrescentar que antes e mesmo depois do tempo de Galileu,não somente o círculo,mas também outras linhas não retilíneas eram consideradas,mesmo por pensadores sérios,como as linhas primárias da Natureza;estes pensadores ousaram mesmo aplicar movimentos curvilíneos para explicar os fenômenos naturais”.
Perguntei se a teoria da gravitação não estava já implicitamente contida nas leis de Galileu sobre a queda dos corpos. Einstein respondeu com uma negativa: ”A teoria da gravitação está inteiramente creditada a Newton, e a grandeza do seu feito intelectual permanece inigualável, mesmo reconhecendo-se os esforços de precursores.
Newton e Galileu
“Em minha opinião”—disse Einstein—“os maiores gênios criativos foram Galileu e Newton, os quais considero como que formando uma unidade. E nesta unidade Newton é aquele que conquistou o mais impressionante feito no reino da ciência. Estes dois foram os primeiros a criar um sistema de mecânica fundada em umas poucos leis, as quais deram uma teoria geral dos movimentos, a totalidade dos quais representam os eventos de nosso mundo”.
A Matemática e Goethe
Suas reflexões sobre Ciência, Professor, parecem apoiar o dito de Galileu: ’ A Filosofia (leia-se ciência) é escrita neste grande livro, o Universo, o qual se mantém sempre aberto à nossa contemplação. Mas o livro não pode ser entendido a não ser que aprendamos a linguagem e possamos ler as letras em que foi escrito. E foi escrito na linguagem da Matemática, e seus caracteres são triângulos, círculos, e outras figuras geométricas, sem as quais é humanamente impossível entender sequer uma única palavra dele’.
_“Prestando a devida honra à beleza desta observação, permito-me duvidar da sua validade universal. Se a aceitássemos incondicionalmente, teríamos que considerar todos os caminhos de pesquisa como puramente matemáticos, e isso excluiria certas possibilidades muito importantes—acima de tudo, certas formas de intuição que têm se mostrado extremamente úteis.Se déssemos inteiro valor ao dito de Galileu,teríamos que afirmar que o livro da Natureza era de todo ilegível ao genial Goethe,pois seu espírito era por completo não-matemático,ou ainda melhor,antimatemático.Ora,mas ele possuía uma particular forma de intuição que se expressava como um sentimento que o punha em contato direto com a Natureza,resultando daí que ele obtinha uma visão mais clara do que a de muitos investigadores exatos”.
Arte e Dostoievski
_“Pessoalmente”, disse Einstein, ”experimento o maior grau de prazer em contato com as obras de Arte.Aufiro nelas sensações felizes de uma intensidade tal que não poderia derivar de outros domínios”.--Esta é, de fato, uma revelação notável, Professor!—exclamei. Não que eu haja jamais duvidado de sua receptividade pelas produções artísticas, pois tive oportunidade de observar o quanto o senhor é tocado pela boa música, e com que interesse o senhor próprio pratica música. Mas a sua confissão parece ir mais longe, talvez mesmo além da música?
“No momento estava pensando particularmente em literatura”—disse Einstein.
--Quer dizer literatura em geral?
--“Sim, quero dizer geral, mas”—disse Einstein--, “se me perguntasse por qual escritor estou mais interessado no momento, eu diria: Dostoievski”. Repetiu o nome várias vezes com ênfase que aumentava de cada vez.E,como a dar um golpe a qualquer concebível objeção,adicionou:”Dostoievski me dá mais prazer do que qualquer cientista,mesmo Gauss”.
Fonte:
-Final - Por Carlos Rezende
cev.rezende@uol.com.br
http://www.broinha.com.br/cultura_ciencias_historia/
Resumo e Tradução de Carlos Rezende, do seguinte livro em domínio público:
http://www.archive.org/details/gutenberg: Einstein,
the searcher: his work explained from dialogues with Einstein
- Moszkowski, Alexander, 1851-1934.
16/08/2008
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