Dentre as inúmeras aproximações entre ciência e poesia, a obra de Murilo Mendes (1901 – 1975) foi escolhida por Ildeu de Castro Moreira, Constança Hertz e Marco Lucchesi para ilustrar as relações entre esses dois ramos do conhecimento no artigo “Murilo Mendes: Janelas para o caos”, publicado na revista Poesia Sempre, no 4, 23-30, 2001 – e de onde foi retirado o trecho reproduzido acima.
Um dos temas que surgem na obra do poeta mineiro e que são comentados pelos autores é a idéia de “caos determinístico”, referência à propriedade de sistemas que apresentam grande sensibilidade a pequenas variações nas suas condições iniciais. No poema "A Liberdade" – de “As Metamorfoses” (1944) –, Murilo Mendes deixa transparecer algumas ideias ligadas ao conceito de caos quando fala da “ordem da anarquia eterna”:
Um buquê de nuvens:
O braço duma constelação
Surge entre as rendas do céu.
O espaço transforma-se a meu gosto,
É um navio, uma ópera, uma usina,
Ou então a remota Persépolis.
Admiro a ordem da anarquia eterna,
A nobreza dos elementos
E a grande castidade da Poesia.
Dormir no mar! Dormir nas galeras antigas!
Sem o grito dos náufragos,
Sem os mortos pelos submarinos.
O artigo ainda faz referência às possíveis relações entre a poesia de Murilo Mendes e os conceitos científicos de tempo, determinismo, entropia e sistemas não lineares. A percepção do tempo pelo poeta, que acompanha a ruptura nos conceitos de espaço e tempo absolutos trazida pela teoria da relatividade no início do século XX, pode ser observada em "Indicação" – de “Parábola” (1946-1952):
Sim: o abismo oval atrai meus pés.
Leopardo familiar, a manhã se aproxima.
Preciso conhecer em que universo estou
E a que translações de estrelas me destinam.
Em três épocas me observo sustentado:
Na pré-história, no presente e no futuro.
Trago sempre comigo uma morte de bolso.
Assalta-me continuamente o novo enigma
E uma audácia imprevista me pressinto.
Arrasto minha cruz aos solavancos,
Tal profunda mulher amada e odiada,
Sabendo que ela condiciona minha forma:
E o tempo do demônio me respira.
Gentilíssima dama eternidade
Escondida nas raízes do meu ser,
Campo de concentração onde se dança,
Beatitude cortada de fuzilamentos...
Retiram-se o véu que sei de mim.
Ontem sou, hoje serei, amanhã fui.
Para saborear a poesia de Murilo Mendes e, ao mesmo tempo, relembrar ou aprender alguns pontos básicos de física e de história da física, acesse o arquivo em PDF e leia o artigo “Murilo Mendes: Janelas para o caos” na íntegra.
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