Vivo sempre no presente.
O futuro, não o conheço.
O passado, já o não o tenho.
Pesa-me um como a possibilidade de tudo,
o outro como a realidade de nada.
Não tenho esperança nem saudades…
que posso presumir da minha vida de amanhã,
Senão que será o que não presumo,
o que não quero, o que me acontece de fora,
Até através da minha vontade…
não quero mais da vida do que senti-la perder-se
Nestas tardes imprevistas
Fernando Pessoa
Prece:
«Senhor, que és o céu e a terra,
Dá-me alma para te servir e alma para te amar.
Torna-me puro como a água e alto como o céu.
Torna-me grande como o Sol,
Senhor, protege-me e ampara-me.
O que é ser rio e correr?
O que é está-lo eu a ver?
Tudo
Fico sem poder ligar
Ser, idéia, alma de nome
A mim, à terra e aos céus...
«Brilha uma voz na noite...
De dentro de Fora ouvi-a .
Ó Universo, eu sou-te..../»
...
«Cinza de idéia e de nome
Em mim, e a voz: Ó mundo,
Semente em ti eu sou-me...
Mero eco de mim, me inundo
De ondas de negro lume
Em que pra Deus me afundo.»
Este inundar-se em Deus equivale à QUEDA
O futuro, não o conheço.
O passado, já o não o tenho.
Pesa-me um como a possibilidade de tudo,
o outro como a realidade de nada.
Não tenho esperança nem saudades…
que posso presumir da minha vida de amanhã,
Senão que será o que não presumo,
o que não quero, o que me acontece de fora,
Até através da minha vontade…
não quero mais da vida do que senti-la perder-se
Nestas tardes imprevistas
Fernando Pessoa
.
. Um conhecimento contemplativo de Deus:
Traçadas as coordenadas principais,
a nível do pensamento religioso de Fernando Pessoa,
pondo, para já, de parte a longa teorização
e defesa do Neopaganismo português,
atentemos nalguns textos reveladores daquilo
que podemos considerar ser o seu percurso poético /religioso,
na busca do Conhecimento ou Gnose:
Por volta de 1912, tinha o poeta então 24 anos,
e no mesmo ano em que publicava na «Águia»
os seus primeiros artigos sobre a moderna poesia portuguesa,
surge-nos um texto belíssimo intitulado «PRECE» que passo a transcrever:
Prece:
«Senhor, que és o céu e a terra,
e que és a vida e a morte!
O sol és tu e a lua és tu e o vento és tu!
Tu és os nossos corpos e as nossas almas
e o nosso amor és tu também.
Onde nada está tu habitas e onde tudo estás -
(o teu templo) - eis o teu corpo.
Dá-me alma para te servir e alma para te amar.
Dá-me vista para te ver sempre no céu e na terra,
ouvidos para te ouvir no vento e no mar,
e mãos para trabalhar em teu nome.
Torna-me puro como a água e alto como o céu.
Que não haja lama nas estradas dos meus pensamentos
nem folhas mortas nas lagoas dos meus propósitos.
Faz com que eu saiba amar os outros
como irmãos e servir-te como a um pai.
[...]
Minha vida seja digna da tua presença.
[...]
Minha vida seja digna da tua presença.
Meu corpo seja digno da terra, tua cama.
Minha alma possa aparecer diante de ti
como um filho que volta ao lar.
Torna-me grande como o Sol,
para que eu te possa adorar em mim;
e torna-me puro como a lua,
para que eu te possa rezar em mim;
e torna-me claro como o dia
para que eu te possa ver sempre em mim
e rezar-te e adorar-te.
Senhor, protege-me e ampara-me.
Dá-me que eu me sinta teu.
Senhor, livra-me de mim.» -
Este texto, em que António Quadros encontra,
a meu ver com razão,
ecos do Hino ao Sol do faraó monoteísta Akhenaton
e afinidades com os cantos de S.Francisco de Assis ,
marca, segundo o mesmo autor, o «1ºmarco de uma longa e árdua peregrinação», revelando
«toda uma vivência interior de transcendência que reúne a visão do ser humano, entre o animal e o espiritual».
Nele é visível «uma enorme exigência de pureza e de Absoluto,
um sentimento de adoração, a consciência profunda da vanidade egolátrica, um desejo de entrega e de abandono no divino»,
traduzindo, igualmente,
«o efeito de uma experiência íntima, secreta.»
Pouco depois desta «Prece», em 1913, tinha então 25 anos,
parece o Poeta ter tido uma primeira experiência de revelação,
de êxtase quase místico, como afirma Quadros. Trata- - se do poema em 5 partes,
ALÉM-DEUS.
Na 1ªparte,
Olho o Tejo, e de tal arte
Que me esquece olhar olhando,
E súbito isto me bate
De encontro ao devaneando -
Que me esquece olhar olhando,
E súbito isto me bate
De encontro ao devaneando -
O que é ser rio e correr?
O que é está-lo eu a ver?
Sinto de repente pouco,
Vácuo, o momento, o lugar.
Tudo de repente é oco -
Mesmo o meu estar a pensar.
Vácuo, o momento, o lugar.
Tudo de repente é oco -
Mesmo o meu estar a pensar.
Tudo
- e o mundo em seu redor -
Fica mais que exterior.
Fica mais que exterior.
Perde tudo o ser, ficar,
E do pensar se me some.
E do pensar se me some.
Fico sem poder ligar
Ser, idéia, alma de nome
A mim, à terra e aos céus...
E súbito encontro Deus..
Na 2ºparte de Além-Deus,
o poeta procura explicar como tudo se passara:
PASSOU (título da 2ªparte):
«Passou, fora de Quando,/
De Porquê, e de Passando...»;
na 3ªparte, intitulada A VOZ DE DEUS,
reconhece na percepção do indizível,
a fusão total do Eu e do universo
a partir da audição da voz de Deus:
A VOZ DE DEUS
«Brilha uma voz na noite...
De dentro de Fora ouvi-a .
Ó Universo, eu sou-te..../»
...
«Cinza de idéia e de nome
Em mim, e a voz: Ó mundo,
Semente em ti eu sou-me...
Mero eco de mim, me inundo
De ondas de negro lume
Em que pra Deus me afundo.»
(título do 4ºpoema da série)
A QUEDA .
«Da minha ideia do mundo
Caí...
Vácuo além de profundo,
Se ter Eu nem Ali.»
Tal queda/mergulho no inefável,
no indizível é o encontro do Além-Deus .
«Além-Deus!
Além Deus! Negra calma ..
Clarão de Desconhecido...
Tudo tem outro sentido, ó alma,
Mesmo o ter-um-sentido...»
Clarão de Desconhecido...
Tudo tem outro sentido, ó alma,
Mesmo o ter-um-sentido...»
O 5º e último poema,
de título de ressonância esotérica ( e surrealista)
BRAÇO SEM CORPO BRANDINDO UM GLÁDIO
«é o regresso à realidade quotidiana, lugar da dúvida,
da interrogação, do espanto, da incapacidade de aferir,
pela razão humana, aquilo que por instantes envolveu o ser inteiro,
deixando atrás de si um sentimento de irrealidade» - conclui assim o poema:
«Deus é um grande Intervalo,
Mas entre quê e quê?...
Entre o que digo e o que calo
Existo?
Quem é que me vê?
Erro-me...»
Erro-me...»
Nave da Palavra
Leiria, Fevereiro e Março de 2001
Amélia Pinto Pais
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