segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

ESTRELA DE BELÉM - e OUTROS PRODÍGIOS


Conjunções, eclipses e outros prodígios

Uma conjunção ocorre quando dois ou mais astros atingem coordenadas celestes muito próximas, parecendo cruzar-se no céu. As conjunções são fenómenos relativamente frequentes e podem mesmo ter uma periodicidade mensal, como é o caso da conjunção que se dá entre o Sol e a Lua em cada Lua Nova, mas de uma maneira geral o período é um intervalo de tempo mais alargado.


Conjunção entre Júpiter e Vénus a 19 de Fevereiro de 1999. Cortesia: NIAC – Núcleo de Investigação em Astronomia da Cidadela – Cascais 
 
Em 1986, Roger Sinnott, astrónomo e colaborador da Sky and Telescope, escreveu o artigo Computing the Star of Betlehem, que relacionava a Estrela de Belém com uma conjunção entre Júpiter e Vénus que ocorreu no ano 2 A.C. Na realidade, esta conjunção deve ter sido espectacular, uma vez que o disco de Vénus chegou a ocultar parcialmente o de Júpiter e, durante algum tempo, terá parecido que os dois astros se estavam a fundir num só. Tudo isto aconteceu na constelação do Leão que, segundo algumas interpretações, estaria relacionada com o povo da Judeia pela seguinte passagem do Génesis (49:9):

Judá é um leãozinho, da presa subiste, filho meu; encurva-se, e deita-se como um leão, e como um leão velho; quem o despertará?

Esta teoria levanta o problema de Jesus ter nascido depois do ano que tem sido adoptado para a morte de Herodes, o ano 4 A.C.

Existem alguns estudos que pretendem dar a volta a este obstáculo, argumentando que houve uma confusão na edição de 1544 do Antiguidades, de Flavius Josephus, o que terá levado os investigadores a fazerem o cálculo errado para o ano da morte de Herodes. Segundo os autores dos estudos, qualquer manuscrito de Josephus anterior a 1544 aponta para que Herodes tenha morrido no ano 1 A.C.

Este ponto de vista é também defendido pelo teólogo Ernest L. Martin, no seu livro The Star that Astonished the World, 1996. No entanto, Martin apresenta uma teoria mais complexa que associa mais do que um fenómeno. A 11 de Setembro (dia que marca o início do ano hebraico) de 3 A.C., Júpiter, o planeta rei, entrou em conjunção com a estrela Régulo (pequeno rei), a mais brilhante da constelação do Leão. O Sol estava na constelação da Virgem. Temos, pois, dois reis que se encontram quando a Virgem é protegida pelo Sol, uma conjugação de factores que certamente não deixaria indiferentes os Magos do Oriente e que Martin considera ter sido o sinal que os levou a partir. 

O 11 de Setembro foi, segundo ele, a data do nascimento de Jesus Cristo. 

Além do mais esta conjunção foi tripla, isto é, Júpiter entrou em movimento retrógrado e depois prosseguiu o seu movimento natural, o que o levou a cruzar-se três vezes com Régulo. Um dos pontos estacionários de Júpiter aconteceu a 25 de Dezembro do ano 2 A.C. e teve a duração de uma semana, período que Martin sugere para a chegada dos magos a Belém.

Algumas análises propõem ainda que se alie a conjunção entre Vénus e Júpiter a esta tripla conjunção de Júpiter e Régulo (como é o caso da que é apresentada por Frederick A. Larson, no site Star of Bethlehem, que os interessados poderão consultar).

Como se pode depreender do que tem sido dito até aqui, hoje em dia existe um considerável número de trabalhos e obras publicadas sobre este assunto. Mesmo assim, julgo que pode ser interessante destacar duas investigações, que deram origem a dois livros que têm conseguido bastante aceitação, quer por parte da comunidade científica, quer pelos interessados por estes temas, em geral.

O primeiro livro, The Star of Bethlehem – An Astronomer’s View (Princeton University Press, Novembro de 1999), foi escrito pelo inglês Mark Kidger, astrónomo do Instituto de Astrofísica das Canárias.

Kidger parte da hipótese, já apresentada no capítulo 2 deste trabalho, segundo a qual o rei Herodes terá morrido entre 13 de Março e 11 de Abril do ano 4 A.C.. Defende também que os Magos seriam de origem persa, iniciados na tradição messiânica do zoroastrismo, alegando que, devido à grande rivalidade existente entre os persas e os romanos, os primeiros ter-se-iam certamente interessado pela possibilidade de vir a surgir um Rei libertador dos judeus, que iria sem dúvida causar dificuldades aos romanos na luta pelo controlo da Judeia.


Júpiter, o planeta rei, visto pelo Hubble. Crédito: NASA
 
Kidger sugere que os Magos observaram uma conjunção tripla, ocorrida entre Júpiter e Saturno e que se prolongou por sete meses, de Maio a Dezembro, no ano 7 A.C. – a conjunção calculada por Kepler, referida na primeira parte deste tema. Este terá sido o primeiro sinal, pois Júpiter, o planeta rei, reunia-se a Saturno na constelação de Peixes, que estaria astrologicamente associada aos judeus. Todavia, este evento não foi suficiente para convencer os Magos de que algo acontecia, ou estava para acontecer. Estas conjunções eram relativamente frequentes e houve mesmo algumas mais espectaculares em anos anteriores, por exemplo, em 146-145 A.C.

Mas vieram outros sinais, como o agrupamento entre Júpiter, Saturno e Marte, que ocorreu a 20 de Fevereiro de 6 A.C., também na constelação de Peixes. Kidger lembra que, sendo Marte o rei da guerra, uma interpretação possível para este evento poderia ser o nascimento de um Rei, que traria a libertação para os judeus. Porém, estamos perante mais um fenómeno relativamente frequente e Kidger indica ainda mais dois sinais. Um deles é uma ocultação de Júpiter pela Lua, a 17 de Março de 6 A.C., na constelação do Carneiro. 

A este caso voltaremos mais à frente, pois tem a ver com a teoria de outro astrónomo. O outro fenómeno, e esse, sim, teria sido a Estrela que orientou a viagem dos Magos, é a «nova» que apareceu em Março do ano 5 A.C. a norte de Alfa e Beta Capricórnio, ou a sul de Águia, e que os chineses registaram. Dizem os Anais chineses que a nova brilhou durante 70 dias. Kidger considera que teria sido tempo suficiente para os Magos realizarem a sua viagem, desde a Pérsia até Jerusalém, com a estrela que tinham visto no Oriente, ao romper da aurora, «seguindo» à sua frente, num movimento aparente (que se deve ao movimento aparente da esfera celeste), para depois parecer «estacionar» a sul, na direcção de Belém.

Jesus Cristo teria assim nascido por volta de meados de Abril de 5 A.C., o que não só se encaixa no Evangelho segundo Mateus, mas também está de acordo com as palavras do Evangelho segundo Lucas, que parecem referir-se à Páscoa. Cada um dos sinais apresentados por Kidger é, segundo ele, por si só, insuficiente, mas o conjunto pode fazer algum sentido.

O segundo livro, também de 1999, é do astrónomo estado-unidense Michael Molnar, e tem por título: The Star of Bethlehem: The Legacy of the Magi (Rutgers University Press).


As primeiras moedas de Antioquia mostrando o Carneiro, de 5-11 D.C. – Crédito: Molnar Collection RPC 4265. http://www.eclipse.net/~molnar/pix.html
 
Molnar, tendo como passatempo coleccionar moedas antigas, adquiriu, na Primavera de 1990, uma moeda de bronze de Antioquia, provavelmente do ano 6 D.C. e que mostrava um carneiro olhando para uma estrela. Mais tarde acabou por descobrir que, segundo o Tetrabilos de Ptolomeu, obra que é considerada a «bíblia da astrologia», o Carneiro era o signo do zodíaco que representava o reinado de Herodes (Judeia, Idumeia, Suméria, Palestina e parte da Síria). Molnar consegue coligir uma série de provas que sustentam esta ideia e diz ainda que o costume de relacionar o signo de Peixes com os judeus é apenas cristão. Repare-se que a palavra grega para peixe é ichtus, um acrónimo de Iesus Christos Theou Uios Soter – Jesus Cristo Filho de Deus o Salvador.

Para Molnar a astronomia e a astrologia confundiam-se durante a época em questão, pelo que qualquer abordagem deve ter em conta o significado astrológico do fenómeno. Como tal, baseia-se em Mathesos (334 D.C), de Firmicius Maternus, um astrólogo de Constantino o Grande, para descrever as condições que seriam favoráveis ao nascimento de um rei de natureza divina. Partindo destes pressupostos, Molnar explica como, a 17 de Abril do ano 6 A.C., se deu um fenómeno astronómico que não terá sido de modo algum espectacular, mas que terá tido um enorme significado para os astrólogos da época.

Nesse dia, Júpiter nasceu a leste pela manhã, na constelação do Carneiro. O sol estava igualmente na constelação do Carneiro. Além disso, Saturno também estava presente em Carneiro. A Lua estava em conjunção próxima com Júpiter de tal modo que houve uma ocultação. A ocultação de Júpiter pela Lua terá sido ofuscada pelo Sol e, como tal, não terá sido visível, no entanto os astrólogos poderiam ter suspeitado de que ela iria acontecer e encontrado assim condições auspiciosas para o nascimento de um grande Rei na Judeia.


Áries, o Carneiro – Pintura de artista desconhecido em Villa Farnese, Caparola, Itália (~1573) – The Glorious Constellations – Giuseppe Maria Sesti. Crédito: http://www.ufrsd.net/staffwww/stefanl/myths/stories.htm
 
Estes Magos, astrólogos, seriam mais uma vez sacerdotes zoroastrianos, provavelmente Partas, que se terão deslocado à capital das terras governadas por Herodes, Jerusalém, para tentar descobrir onde poderia ter nascido o novo Rei. É, segundo Mateus, Herodes quem lhes fornece a pista, depois de ter ouvido a profecia dos seus sacerdotes conselheiros. O início do movimento retrógrado de Júpiter, a 19 de Dezembro de 6. AC., terá servido para explicar o facto da «estrela» ter ficado estacionária no céu e assim parecer ter parado, sobre Belém, como dizem os textos de Mateus.

Molner não contesta o ano de 4 A.C como o mais provável para a morte de Herodes. E, quanto à contradição entre Mateus e Lucas, sugere que, uma vez que estes textos só foram escritos por volta do ano 80 D.C, o autor do último pode ter sido induzido em erro pelas moedas de Antioquia. Estas foram provavelmente cunhadas durante o censo de Quirinus, que Molnar aceita ter acontecido em 6 D.C., mas não na altura do nascimento de Jesus Cristo. A representação que as moedas exibem, a estrela e o carneiro, podia, no entanto, aludir a esse acontecimento e Lucas, simplesmente, deve ter associado as duas datas.

Chegamos assim ao final deste Tema do Mês de Dezembro.

A Estrela de Belém é uma história com 2000 anos que ainda exerce fascínio sobre muitas pessoas, entre as quais diversos historiadores, teólogos, filósofos, astrónomos e todos os que procuram encontrar a explicação para um fenómeno do qual, na realidade, não existem quaisquer provas concretas. Puro capricho? Julgo que não. O trabalho tanto pode valer por aquilo em que se acredita, como por tudo o que se pode descobrir e aprender com ele, mesmo não acreditando. Por esta razão, creio que qualquer investigação séria e empenhada é legítima. Este é apenas um resumo de alguns artigos e livros que fui descobrindo e que me pareceram curiosos. Não dispensa, de modo algum, a leitura dos mesmos pelos interessados.

Desejo a todos Boas Festas! E, já agora, neste Natal não se esqueçam de olhar para as estrelas!
 Fonte:
Portal do Astrónomo - Portugal
http://www.portaldoastronomo.org/tema_pag.php?id=11&pag=2

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