segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

PABLO PICASSO : TOURO INDOMÁVEL

Polêmico, excêntrico, sedutor incansável, genial, Picasso personifica o exagero. Não foi por acaso que ele se tornou o maior pintor modernista - e conseguiu isso ainda em vida

por Veronica Stigger
Ele é o senhor do modernismo. Mas tem nome de barão do Antigo Regime: Pablo Diego José Francisco de Paula Juan Nepomuceno María de los Remedios Crispin Crispriano Santísima Trindade Ruiz Picasso. Exageros, aliás, marcam a biografia do pintor espanhol, talvez o maior artista do século 20. Em 91 anos de vida, Picasso produziu 36 mil trabalhos, uma média de um trabalho por dia – se tivesse começado a pintar no berço. Em 1914, aos 33 anos, já era milionário e, ao morrer, tinha mais dinheiro do que qualquer outro pintor jamais sonhou.

Teve meia dúzia de mulheres oficiais, que serviram de combustível – explosivo, diga-se – para as suas obras. Todos os seus relacionamentos terminaram em escândalos memoráveis. É, Picasso não é alguém que se explique. O melhor é ele mesmo se explicar.

História – Por que você carrega esse trompete e esse revólver?
Picasso – Como pode ignorar que sou trompetista? Há muito exerço essa arte. Quando fazia as ilustrações para As Metamorfoses, de Ovídio, na década de 30, sempre anunciava que havia acabado outra gravura com o meu trompete. Punha-me à janela da minha casa e entoava Ta-ta-ti, ta-ta-ti, ti-ta-ta, ti-ta-ta... E o meu editor, que trabalhava na casa bem ao lado, aparecia imediatamente.

E o revólver?
Ganhei do Alfred Jarry [dramaturgo, autor de Ubu Rei]. Sempre levava o revólver comigo. E ele já me foi bastante útil. Quando era jovem, uns amigos alemães vieram me visitar na Itália e me levaram para jantar com eles. Aceitei, mas o programa começou a se prolongar muito, mais do que eu queria. Eles não me deixavam ir embora, sempre dizendo que me admiravam muito. Até que saquei o revólver e dei uns quatro tiros na parede. Eles fugiram apavorados e me deixaram sozinho. Era o que eu queria.

Você é sempre assim tão passional?
Não há em mim nenhuma serenidade. Só amo e odeio. Quando amo uma mulher, esse amor depedaça absolutamente tudo – e principalmente a minha pintura. Todo mundo me critica porque tenho coragem de viver a minha vida, destruindo mais do que outros, talvez, mas também com mais integridade e mais verdade.

Falando em mulheres, seus muitos relacionamentos foram sempre conturbados. O que você pensa delas?
Para mim, só há duas espécies de mulher: deusas ou capachos. Cada vez que mudo de mulher, deveria queimar a precedente. Assim, me veria livre delas. Não as teria por aí, todas, a me complicarem a vida. E, depois, isso me restituiria talvez a juventude. Mata-se a mulher e apaga-se o passado. A cada nova mulher, parece nascer um novo modo de pintar. Pinto como outros escrevem a autobiografia. Os meus quadros, acabados ou não, são as páginas do meu diário e, como tal, são sempre válidos.

Quando você começa uma nova obra sabe exatamente onde quer chegar?
Se soubesse exatamente o que se vai fazer, para que fazê-lo?

Mas imagino que você tenha uma idéia em mente quando começa a pintar.
A pintura é mais forte do que eu. Obriga-me a fazer o que ela deseja. Para saber o que se quer desenhar, é preciso começar. Se surge um homem, faço um homem. Se surge uma mulher, faço uma mulher. Existe um ditado espanhol: “Se tem barba, é homem; se não tem, é mulher”. Esse ditado é formidável, não é mesmo? Quando estou diante de uma folha em branco, ele passa o tempo todo por minha cabeça.

E se, diante da folha em branco, nenhuma inspiração lhe vem?
Um amigo de meu pai sempre dizia: “Quando você não estiver vendo nada, ponha preto na tela”.

Se a pintura é mais forte do que você, o artista não é tão livre quanto se julga.
O pintor não escolhe. Há formas que se impõem a ele. Vêm, às vezes, de uma hereditariedade cuja origem é mais antiga do que a vida animal. Façamos nós o que fizermos, estamos sempre com algemas. A liberdade de não fazer uma coisa exige que se faça outra. E, então, já estamos algemados. Isso me faz recordar uma história de Jarry, quando os soldados libertários fazem seus exercícios. O oficial lhes diz: meia-volta à direita. Então, como são libertários, fazem todos obrigatoriamente meia-volta à esquerda. A pintura também é assim.

O que você procura quando pinta, quando esculpe, quando grava?
Eu não procuro, eu acho. Mas, por outro lado, nunca se acaba de procurar, porque nunca se acha.

Desculpe-me, mas creio que não me fiz entender. Gostaria de saber o que você procura expressar em seus quadros?
Quero revelar ao espectador alguma coisa que ele sem mim não poderia descobrir. É por isso que eu insisto na dessemelhança entre o olho direito e o olho esquerdo. Um pintor não devia pintá-los iguais, porque eles não são iguais.

Você, então, não busca agradar?
Todo poeta, todo artista, é um ser anti-social. Não o é voluntariamente, mas não pode ser de outra maneira. Se for um verdadeiro artista, sabe que não pode ser aceito, porque, se for admitido, compreendido, aprovado, isso significará que se tornou um lugar-comum sem valor.

Mas, assim, a sua obra não termina por se dirigir a uns poucos iniciados?
A pintura deve despertar sempre alguma coisa, mesmo em quem não têm o hábito de olhar quadros. Na minha obra, como na de Shakespeare, há sempre pormenores burlescos e mesmo vulgares. Assim, dirijo-me a toda a gente. Não é que eu queira curvar-me diante do público. O que eu quero é oferecer algo a todos os níveis.

É por isso que você opta por temas e motivos cotidianos?
Nós fazemos quadros da mesma forma que os príncipes fazem seus filhos: com as pastoras. Não se faz jamais o retrato do Partenon, não se pinta nunca uma cadeira Luís XIV. O que se faz são quadros que retratam uma pequena casa de campo, um pacote de fumo ou uma velha cadeira.

Há futuro para a arte?
É preciso matar a arte moderna. Isso também quer dizer que é necessário nos matarmos a nós mesmos, se quisermos continuar a fazer alguma coisa.

Saiba mais

Livro
Conversas com Picasso, Brassaï, Cosac & Naify, 2000 - O livro é o resultado da convivência do pintor com o fotógrafo húngaro Gyula Halász, o Brassaï



 Amor
Fonte
Entrevista Com Gente Morta
Abril.com
AVENTURAS NA HISTÓRIA
http://historia.abril.com.br/gente/pablo-picasso-touro-indomavel-434303.shtml
Sejam felizes todos os seres. 
Vivam em paz todos os seres. 
Sejam abençoados todos os seres.

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