A verticalidade das redes sociais na web |
Suely Fragoso | - Entrevista concedida à Márcia Junges - IHU On-line | ||
23.04.2009 | |||
A permanência de hierarquias e verticalidades nas ferramentas de redes sociais é um fato, aponta a Profa. Dra. Suely Fragoso, na entrevista exclusiva que concedeu por e-mail à IHU On-Line. Segundo ela, o “novo modelo distributivo da comunicação em redes digitais implica uma alteração importante, cujos desdobramentos ainda estamos tentando compreender”. As redes sociais na web, explica, são bastante utilizadas para manter laços sociais que já existem, e bem menos para conhecer novas pessoas. “Parece que as ferramentas digitais para interação social têm sido mais utilizadas para o fortalecimento e a expansão das 'velhas' redes sociais do que para a criação de novas”, assinala. De acordo com a pesquisadora, “muitas pessoas que antes não tinham interesse na internet ou na web foram atraídas para as tecnologias digitais quando perceberam seu potencial para a interação social”. Em seu ponto de vista, essa apropriação da tecnologia digital voltada para fortalecer as redes sociais é extremamente positiva, mas não é um consenso. Suely Fragoso é professora no curso de Comunicação e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Unisinos. Graduada em Arquitetura e Urbanismo, pela Universidade de São Paulo (USP), é mestre em Comunicação e Semiótica, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), e doutora em Estudos da Comunicação, pela Universidade de Leeds, Inglaterra, com a tese Towards a Semiotic Toy: designing an interactive audio-visual artefact for playful exercise of meaning construction. É autora de O Espaço em Perspectiva (Rio de Janeiro: E-Papers, 2005) e uma das organizadoras de Comunicação na Cibercultura (São Leopoldo: Editora Unisinos, 2001). Escreveu, também, artigos técnicos e vários capítulos de livros. É possível falar em uma revolução na comunicação a partir do surgimento de novas ferramentas como o Twitter e o Facebook? Por quê? A popularização da internet (nos anos 1990) aumentou exponencialmente o número de pessoas que passaram a publicizar suas ideias e, ao mesmo tempo, também um grande aumento do número de pessoas a que as mensagens produzidas poderiam chegar, causando uma alteração importante no cenário da comunicação. Ferramentas como o Twitter e o Facebook ajudam a popularizar ainda mais a internet e, portanto, ampliam ainda mais o espectro dessa mudança. Esse é um primeiro modo em que elas afetam o cenário comunicacional, mas elas também têm uma especificidade que é bastante importante e que implica uma guinada no processo – enquanto os websites seguem um modelo de comunicação baseado na ideia de publicação (você publica seu site e os outros podem acessar para ler/ver), o Facebook, Twitter e outros sistemas baseados em redes sociais têm um funcionamento mais horizontal, que, para diferenciar da ‘publicação’, poderia ser descrito, por exemplo, pela palavra “disseminação” (você comunica a outros que comunicam a outros e assim por diante). Essa descrição enfatiza a diferença entre esses três modos de distribuição, mas é preciso estar atento também para o que ela esconde, que é a permanência de hierarquias e verticalidades nas ferramentas de redes sociais. Embora possa parecer perfeitamente horizontalizada, a comunicação em sistemas de rede social também tem uma estrutura vertical, regida por centros e hierarquias. O dinamismo e a complexidade das redes sociais são decisivos para essa verticalidade, que pode ser percebida com alguma facilidade a partir do reconhecimento das diferentes quantidades de conexões estabelecidas pelos participantes desses sistemas. Algumas pessoas têm mais ligações que as outras (mais seguidores no Twitter, mais amigos no Facebook) e isso acarreta variações de seus impactos potenciais no processo de disseminação. Falo da diferença entre uma pessoa com meia dúzia de seguidores no Twitter, cujas mensagens a princípio seriam lidas por no máximo aquela meia dúzia, e outra que tem milhares de seguidores, e portanto um público potencial de milhares de leitores. Reconhecer as limitações da horizontalidade dos processos de comunicação nos sistemas de rede social não significa, entretanto, desvalorizar suas diferenças em relação à comunicação que chamávamos de “massiva”, na qual havia pouquíssimos centros de distribuição (costuma-se dizer “um” centro, mas na maioria dos casos seria mais preciso reconhecer a existência de “alguns” – poucos – centros produtores/emissores). O novo modelo distributivo da comunicação em redes digitais implica uma alteração importante, cujos desdobramentos ainda estamos tentando compreender. Como essas ferramentas ajudam a alterar a concepção de subjetividade e intimidade de seus usuários? Em primeiro lugar, essas ferramentas são adicionadas às fontes de informação que temos sobre o mundo e sobre nós mesmos e, portanto, se integram ao amplo e complexo conjunto de fatores que afetam nossa subjetividade. Além disso, como eu já mencionei, elas permitem que um número maior de pessoas fale a um número igualmente maior de outras. Voltando ao exemplo dos dois usuários imaginários do Twitter, um com seis seguidores e o outro com milhares, é possível pensar na situação de ambos com a seguinte analogia: a pessoa que tem meia dúzia de seguidores se manifesta no Twitter como quem está na sala de sua casa, na presença de uns poucos amigos e/ou parentes. Quem tem milhares de seguidores, por outro lado, se manifesta como se estivesse diante de um auditório enorme e lotado. Ainda estamos aprendendo a lidar com essa nova escala do alcance possível das nossas vozes, mas já é bastante evidente que, ao reconfigurar nossas possibilidades de relação com os outros, elas alteram as significações que instituímos para nós mesmos. Essa possibilidade de alcançar grande visibilidade impacta os sentidos do público e do privado em uma diversidade de maneiras. Por exemplo, algumas pessoas recusam essa visibilidade e procuram evitar níveis de exposição que já se tornaram corriqueiros, como a divulgação de fotografias em álbuns no Orkut ou Facebook, ou comentários sobre atividades cotidianas no Twitter. Outros preferem cultivar a visibilidade e se esforçam para atrair e manter o “seu público”, por exemplo, procurando divulgar um fluxo contínuo de informações relevantes. Há aqueles que encontram na publicização de sua própria intimidade o caminho para o “sucesso”, o que não deve ser confundido com a situação, bastante diferente, de divulgação não autorizada da intimidade alheia. Finalmente, há os casos de exposição acidental da própria intimidade, por exemplo quando uma webcam é esquecida ligada ou quando se divulga uma informação sem dar conta de sua inconveniência para alguns públicos. Essas ações, tanto as positivas quanto as negativas, tanto as legítimas como as criminosas, não constituem novidade em si mesmas – o que é novo é a enormidade da escala em que podem agora reverberar. O que esses comportamentos revelam sobre o jovem contemporâneo e a formação de redes sociais na web? Eu vejo mais similaridades que diferenças entre o comportamento dos jovens contemporâneos e o dos jovens de outros tempos. Quando se olha através do aparato tecnológico que sustenta as interações sociais em redes digitais, ao invés de para ele, percebe-se que tanto o desejo de visibilidade quanto os caminhos escolhidos para alcançá-la permanecem praticamente os mesmos. O que mudou, mais uma vez, foi o alcance dessa visibilidade e, com ele, as reverberações das estratégias utilizadas para alcançá-la. Quanto à formação de redes sociais, há indicações de que essas ferramentas de interação social são utilizadas com maior frequência para cultivar os laços sociais já existentes, e mais raramente para conhecer novas pessoas. Ou seja, é mais comum conversar no MSN com os colegas de escola do que com pessoas desconhecidas. Assim também, a maior parte das relações sociais nascidas da interação em redes digitais não decorre de encontros aleatórios, mas de redes sociais pré-existentes: as pessoas se aproximam em função de amizades mútuas. Em suma, parece que as ferramentas digitais para interação social têm sido mais utilizadas para o fortalecimento e a expansão das “velhas” redes sociais do que para a criação de novas. O jornalismo tende a mudar a partir de inovações como o Twitter? Por que e em quais aspectos? O Twitter encontrou uma vocação para a divulgação de informações de cunho menos pessoal que potencializou sua popularização e reforçou sua utilização como veículo “em tempo real”. Nos últimos anos, com a expansão das redes sem fio, aumentou perceptivelmente a quantidade de pessoas que utilizam o Twitter para comentar palestras que estão assistindo ou congressos dos quais estão participando, por exemplo. Isso criou uma situação muito peculiar, pois a presença a um evento agora ocorre simultaneamente nos registros on-line e off-line: quem está fisicamente presente, mas não está conectado experimenta uma limitação que, em alguns aspectos, remete à da situação inversa, de quem acompanha o evento apenas pela internet. Evidentemente é possível utilizar o Twitter para acompanhar e comentar acontecimentos que interessam a públicos muito mais numerosos que eventos científicos, como votações no Congresso Nacional, grandes acidentes, finais de futebol etc. As empresas midiáticas e o jornalismo institucionalizado estão muito conscientes do potencial intrínseco à expansão da popularidade do Twitter e já marcaram presença no sistema. Para além de "seguir" pessoas, acompanham-se agora também os tweets da Zero Hora, Folha de S. Paulo, Deutsche Welle, Reuters etc. No momento, parecem predominar os usos informativos, mas os exemplos de uso em eventos científicos sugerem possibilidades para o jornalismo opinativo e para o debate. E, quanto ao Facebook, qual é a sua perspectiva junto ao comportamento de seus usuários no que diz respeito a uma mudança de paradigma de relacionamentos? Facebook é um sistema de rede social como o Orkut. As diferenças entre os dois existem, mas me parecem secundárias à função de registro e fomento das redes sociais pessoais, de modo que acredito que a adesão ao Facebook terá desdobramentos muito semelhantes aos do Orkut. Em termos de exclusão digital, como essas duas ferramentas podem aprofundar ou diminuir esse processo? O Orkut teve um impacto enorme nas ações de inclusão digital no Brasil. O mesmo é verdadeiro para o MSN [mensageiro instantâneo da Microsoft], que é uma ferramenta de interação síncrona particularmente popular em nosso país. Muitas pessoas que antes não tinham interesse na internet ou na web foram atraídas para as tecnologias digitais quando perceberam seu potencial para a interação social. O número de pessoas que usou um computador pela primeira vez para “fazer um Orkut” é enorme e não são poucos os que buscam informações nos grupos temáticos (que o sistema chamada, inadequadamente, de “comunidades”). Eu considero essa apropriação da tecnologia digital voltada para o fortalecimento das redes sociais extremamente positiva, mas esta é uma opinião que está longe de qualquer consenso. Nos estado de São Paulo, por exemplo, o uso de ferramentas sociais em telecentros foi proibido (pelo Decreto nº 49.914, de 14 de agosto de 2008). Isso porque o Orkut, MSN e similares são frequentemente vistos como passatempos inúteis, fúteis e, de acordo com o texto daquele decreto, até como fomentadores de criminalidade. Seriam, portanto, uso inadequado dos equipamentos disponibilizados nos telecentros, que deveriam estar servindo a outras causas, como a capacitação profissional, educação etc. Eu me pergunto se as pessoas que compreendem assim o uso das ferramentas sociais já se deram ao trabalho de visitar uma quantidade significativa de perfis do Orkut criados e mantidos por pessoas menos acostumadas às tecnologias digitais. Os ganhos de refinamento e domínio das ferramentas são perceptíveis nos registros que vão se acumulando ao longo do tempo em cada perfil, por exemplo na “photoshopagem” de fotografias, na adição de elementos encontrados em outros endereços da web, nas informações e ajuda prestadas por “amigos” do Orkut (assim como “comunidades”, “amigo” é uma palavra inadequada para descrever as conexões no Orkut). Há casos em que a própria redação das descrições e recados parece se aprimorar, talvez em decorrência do uso mais frequente da linguagem verbal escrita. Além disso, como cabe a uma ferramenta de rede social, o Orkut é muito usado para manter contato com a família e os amigos, o que é cada vez mais importante nos tempos de alta mobilidade geográfica em que vivemos. Para além da manutenção das redes afetivas, o sistema viabiliza a circulação de informações sobre empregos, saúde, alimentação e muitos outros assuntos, entre os que estão fisicamente próximos e também entre os mais distantes. Os benefícios dessas apropriações sociais da interação tecnológica ainda estão por ser devidamente percebidos e discutidos. No caso específico do Orkut, o que a adesão a comunidades como “eu odeio quem odeia” demonstram a respeito da socialização, necessidade de aprovação e gostos dos internautas? Eu escrevi um artigo cujo título faz menção a essas comunidades “eu odeio quem odeia”, que para mim são um retrato de uma agressividade da cultura brasileira que o senso comum reiteradamente tenta negar. Registros desse tipo estão espalhados por todo o Orkut. O texto ao qual dei esse título usa como exemplo a famosa “tomada” do Orkut em 2004, um movimento violento e xenofóbico que não tinha como objetivo apenas aumentar o número de brasileiros no Orkut, mas expulsar todos os não-brasileiros (especialmente os estadunidenses, vistos como os “donos” do Orkut porque o serviço foi criado e é mantido pelo Google). Uma das muitas práticas adotadas na época consistia em entupir com mensagens em português as “comunidades” em inglês até tornar insuportável a participação para quem não entendesse a nossa língua. Bastava entrar no Orkut para encontrar “instruções” desse tipo, mas ao mesmo tempo repetia-se na mídia (e também nas universidades) que o elevado número de brasileiros no Orkut era uma prova de que somos um povo amigável, feliz, que gosta de compartilhar e conviver com os outros. Eu conheço estrangeiros que tentaram se comunicar amigavelmente em português naquela época e foram objeto de escárnio pelos seus erros de ortografia ou conjugação de verbos e me pergunto como descreveríamos quem nos tratasse do mesmo modo no Facebook ou no Twitter, por exemplo. Fonte: http://www.direitoacomunicacao.org.br/content.php?option=com_content&task=view&id=4878 |
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