sexta-feira, 26 de junho de 2009

ESCOLA NÔMADE



Texto do vídeo:
A CORUJA DE MINERVA E O GALO DA MADRUGADA


Filósofo , Carlos-Cirne Lima 

Conhecer uma coisa significa saber fazer, nela, a análise e a síntese; significa, primeiro, saber desdobrá-la nas partes que a compõem, e, segundo, saber recompor as partes dentro da unidade do todo, cada uma em seu devido lugar. A análise divide e corta, a síntese junta e recompõe. Assim eu, cada eu, todo e qualquer eu, eu em conjunto com todos os outros eus engendramos e adquirimos conhecimento das coisas e sobre as coisas. Surgem, assim, as ciências particulares, que são chamadas particulares, porque cada uma delas trata apenas de uma classe determinada e limitada de objetos. As ciências, neste primeiro patamar, são todas particulares, especializadas; nenhuma delas nos dá a visão de conjunto de todas as coisas, de todo o universo.

Mas isso é preciso, isso faz falta. É preciso uma ciência universalíssima, situada como que no ápice da pirâmide, que abarque todas as coisas, que tenha uma visão de conjunto de todo o universo, que seja uma ciência de todas as outras ciências. Este é o movimento intelectual da dialética ascendente: saindo do particular levantamos vôo em busca dos princípios universalíssimos que regem e determinam todas as coisas, todo o universo. Na dialética ascendente temos como ponto de partida as certezas do mundo do dia a dia e das ciências particulares; nela o Eu individual se descobre como um Eu universal, que está presente no dia a dia de cada um de nós e também nas ciências particulares. O eu individual amplia-se, assim, e torna-se um Eu universal, que engloba todos os outros eus humanos. Mas é preciso mais: o eu tem que se ampliar mais ainda, de sorte a incluir também as coisas da Natureza, sem a qual nenhum eu pode ser o que é. O eu assim ampliado inclui a natureza toda e fica tão abrangente que contem e abarca todo o universo. Eu, ou Eu assim ampliado, é o Universo.

Este Eu que é o Universo obedece às mesmas três regras básicas da Lógica: identidade, diferença e coerência. Três são, portanto, os primeiros princípios que regem o Universo. Isso entendido, compreendidos os primeiros princípios, surge a tarefa filosófica de retornar ao mundo concreto de nosso dia a dia. Estamos, já agora, aptos a começar a dialética descendente que consiste em fazer, passo por passo, a reconstrução do mundo concreto a partir dos três primeiros princípios. A ciência particular, uma vez feita a teoria, retorna aos fenômenos, explicando-os em sua estrutura racional, explicando como suas partes interagem e se imbricam. O mesmo faz a Filosofia, ciência universalíssima. A partir dos três primeiros princípios mostra como, num longo processo de evolução, da Lógica emerge a Natureza, e desta, o Espírito.

O princípio de identidade garante a iteração, ou seja, a reprodução. O princípio da diferença explica a emergência do novo, inclusive as mutações por acaso. O princípio da coerência elimina pólos opostos que são fortemente incoerentes, e aplaina e supera as pequenas incoerências através da introdução de novos aspectos lógicos, de novas dobras e facetas ontológicas. Assim, de um ovo inicial surgem, no processo evolutivo do Universo, todas as coisas. Todas têm e fazem sentido, se e enquanto são coerentes consigo mesmas e com as outras coisas, com todas as coisas, se são coerentes com todo o Universo.
Na dialética ascendente partimos do particular concreto e, degrau por degrau, caminhamos para os três primeiros princípios. Na dialética descendente partimos dos três primeiros princípios e mostramos, dobra por dobra, plica por plica, como a Universo se ex-plica, se des-dobra, se desenvolve até tornar-se o mundo em que vivemos com sua multifária variedade de seres, coisas e entidades. 

O sentido do mundo, para compreendê-lo, precisamos primeiro subir, depois descer. A dialética ascendente amplia nosso eu até que ele fique tão amplo que se identifique com o Universo. Na dialética descendente reconstruímos o mundo, fazemos a explicação do mundo, mostrando, dobra por dobra, como ele surgiu.
Este é o olhar tranquilo e sábio de quem, enxergando todo o percurso, olha para trás, olha para o passado. Este olhar, voltado para o que já passou, é simboizado pela coruja de Minerva, que só levanta vôo quando cai o entardecer. Mas como os estudantes de Hegel em Berlim já diziam, é preciso pôr ao lado da coruja de Minerva o canto do Galo da Madrugada que, olhando para a frente, para o futuro, anuncia o dia que está por vir. Ele exprime o que deve ser, o ideal que ainda não se concretizou, mas que estamos desde sempre antecipando. Se o olharmos assim, o mundo tem sentido. A vida, assim, faz sentido.


filosofia em 9 minutos e 37 segundos
http://www.youtube.com/watch?v=xD6XuweHA_A