Aristóteles designava a technè como um modo de saber, uma
forma de discernimento, prudência que orienta, como exemplo,
a "arte política".
A reflexão filosófica considerou a obra de arte
como portadora de um verdadeiro saber.
Foi decifrada como a força
de enfatizar o conteúdo de verdade.
Em Kant situava-se na reflexão sobre o belo e o sublime. A reflexão
hegeliana baseava no sentido de uma expressão cada vez mais
clara, menos simbólica. Assim, direcionava para uma verdade
mais profunda, isto é, mais interior ao sujeito humano. Após
as reflexões de Heidegger e Merleau-Ponty deixa-se a
pretensão de legislar sobre a arte, de decidir quanto à sua
classificação.
A arte não é mais tratada como objeto de
especulação metafísica.
A arte é vista como uma imagem da
verdade de nossa existência ou
de nossa relação com o mundo.
A arte é uma criação e não o domínio de determinadas
situações instrumentais que se exige do criador. Institui-se
como um saber desocultante da verdade essencial que
transcende tanto o nível da constatação quanto o da
contestação.
A linguagem interpretativa situa-se em nível capaz de revelar
uma experiência ontológica que é a relação do homem com
aquilo que o constitui homem. Podemos dizer que o foco de
sentido vai além dos acontecimentos e das experiências das
coisas. Interpretar é um eclodir, surgir e vir à luz naquilo
que pertence a cada um. Na hermenêutica, uma maneira de
tornar explícito o solo ontológico sobre o qual as ciências
do espírito podem se construir.
No sistema capitalista moderno, a velha questão do bem-viver,
da compreensão do ser, fica eliminada em proveito do
funcionamento de um sistema manipulado. Atitudes de caráter
ideológico mascaram seu sentido ou mesmo sua realidade
contribuem para surgirem conflitos em nossa sociedade. As
instituições aparecem como um bloco indivisível de poder e de
repressão. A sociedade vê apenas a exterioridade colorida: a
veste, o costume, a anticultura, em suma, uma imagem
alternadamente terna e agressiva.
O desafio que se disfarça sob o conflito da sociedade
repressiva e da liberdade selvagem, da ideologia do conflito
a todo preço está contido na questão: como poderemos conjugar
os progressos da liberdade do ser humano? As instituições
tornaram-se estranhas e alienantes, pesadas e insuportáveis.
A sociedade está fascinada pelo fantasma
de uma liberdade sem
instituições.
A liberdade selvagem conduz necessariamente
à fúria da destruição.
A intolerância selvagem deve ser
combatida em suas raízes, através de uma educação constante
que tenha início na mais tenra infância com a prevalência das
artes, da poesia, das virtudes, valores e suas
interpretações, antes que se torne uma casca comportamental
espessa e dura demais.
Num processo amplo de mudança deslocam-se as estruturas e
processos centrais das sociedades modernas. Logo, podemos
mencionar: a crise de identidade. As identidades modernas
estão descentradas e fragmentadas. Esta fragmentação das
culturas de raça, etnia, gênero, classe, sexualidade e
nacionalidade no passado forneciam sólidas bases como
indivíduos na sociedade. Algumas vezes chamada de
descentração ou deslocamento do sujeito, pois existe perda de
um sentido de si mesmo, o que no passado era mais estável.
O indivíduo está se tornando fragmentado.
Antes vivia com uma identidade unificada e estável.
À medida que os sistemas multiplicam de significação
e representação culturais, surgem
desconcertantes e múltiplas identidades.
Nos tempos modernos, com o predomínio da tecnologia, a
angústia reina, porque o sagrado, condição de toda presença
intacta, inclusive a um deus, se retira, se apaga.
A poesia pode ajudar-nos
a agüentar esta insuportável indigência
e a atravessar esta "noite do mundo",
que é o dia tecnológico.
A técnica dessacraliza, porque ela detesta o que não pode ser
dominado e finalmente o nega. Esta impossibilidade de
domínio, de uma manipulação que ela não consegue realizar,
quer se trate de sofrimento, quer de alegria, do amor ou da
morte, só o canto poético consegue expressar e talvez
preservar
O sentido da obra vige no instituir mundo.
O mundo é o sentido da physis
manifestado no poema.
No poema, a physis se revela em seu sentido.
A eclosão de mundo na obra dos poetas
é o real se manifestando como linguagem.
É o ethos do real.
Ethos significa morada,
maneira de ser habitualmente,
caráter.
Considerado como disposição natural de uma pessoa
segundo seu corpo e sua alma, os costumes de alguém conforme
a sua natureza. Nossa inclinação natural busca o prazer e
foge da dor segundo o modo como somos afetados pela
sensação.
O apetite-desejo é uma paixão, um páthos.
A paixão
é um movimento natural e violento.
Natural, porque fomos feitos de uma matéria carente, desejante e passiva que busca
vencer a carência e a passividade. Violento, porque a paixão
suscita movimentos contrários ao bem de nossa natureza, ao
fim que, como humanos, estamos destinados, isto é, a vida de
ação.
A verdade da obra poética
é o aspecto manifesto do que se oculta.
A interpretação se constitui como diálogo,
especulação e ethos.
Estas dimensões só são passíveis de concretização a partir
da obra poética como manifestação de mundo.
Interpretar é abrir-se para a escuta da verdade e
sentido do Ser como ethos. Interpretar é um abrir para a
vigência do real, pela qual se dá na interpretação, uma
experiência poética. O termo ética deriva de ethos.
Existe a importância ética para nós hoje, numa época de
capitalismo avançado ou mesmo selvagem, onde a grande maioria
se sustenta ou empobrece graças ao seu trabalho pessoal e à
tecnologia.
Questionamos: qual seria a relação entre ética e
poesia? Esta questão intriga e faz pensar. A poesia exige que
nos deparemos a um só tempo, com a ânsia de alcançar o
divino.
O desamparo e distanciamento do homem
acentuam-se na modernidade
e é uma das razões da demanda ética tornar-se
cada vez mais intensa.
Numa reflexão dando voz à arte, à
poesia, à interpretação e à ética, entendemos como modos de
celebração da vida. Celebração que nos oferece a
possibilidade firme e a manifestação vigorosa de dar sentido
à existência com libertação.
A reflexão ético-social do nosso século
trouxe umaobservação na massificação atual:
talvez a maioria não se comporte mais eticamente,
pois não vive imoral, mas
amoralmente.
Os meios de comunicação de massa, as ideologias
e os aparatos econômicos já não permitem mais a existência de
sujeitos livres, de cidadãos conscientes e participantes, de
consciências com capacidade julgadora. Falar da ética
significa falar de liberdade. Falar de liberdade é falar de
poesia.
Falar de poesia é lembrar de Vinicius de Moraes.
Deixou-nos o poema intitulado O Velho e a flor:
Por céus e mares eu andei
Vi um poeta e vi um rei
Na esperança de saber o que é o amor
Ninguém sabia me dizer
E eu já queria até morrer
Quando um velhinho com uma flor assim falou.
O amor é o carinho
É o espinho que não se vê em cada flor
É a vida quando
Chega sangrando
Aberta em pétalas de amor.
O amor tem a mesma extensão que a justiça. Ele é sua alma,
seu impulso, sua motivação profunda. Assim é a justiça, a
realização institucional e social do amor. Para enfrentar
vertigens da ordem e da liberdade selvagem, torna-se
necessário refazer todo um trabalho de pensamento.
Quando uma objetividade total domina o sujeito, não há mais
espaço para a liberdade e conseqüentemente nem para a ética.
O homem sábio é livre sempre,
mesmo que esteja acorrentado ou
aprisionado.
A ética se preocupa com as formas humanas de
resolver as contradições entre: necessidade e possibilidade,
tempo e eternidade, individual e social, econômico e moral,
o corporal e psíquico, o natural e cultural e entre a
inteligência e a vontade.
O problema da massificação se
refere a formas de relações sociais
onde o indivíduo se perde e se desvaloriza.
A vida de maneira mais ética é neste
sentido mais livre e mais humana.
Numa época onde há o consumismo desenfreado, a massificação,
a crise de identidade, a sobrevalorização do trabalho
industrializado, da rentabilidade e da capitalização, do
pensamento calculador e da técnica, a crise que pode levar ao
abismo. Entre as máscaras, as noites e os simulacros do
horizonte pós-moderno, estamos cada vez mais fragmentados,
cada vez mais distante da verdade, cada vez mais desprendidos
de pensar.
Como poderia a poesia apresentar alguma relevância? A
poética constitui uma força vitalizadora e valorizadora que
recupera o reduto do inexplicável, enquanto a tecnociência
repressora se apodera dos indivíduos distanciando da
apreciação e fundamentação da arte, da interpretação e da
ética. É preciso parar e pensar nesta engrenagem cega de toda
uma articulação do poder. Pensamos em falar da poesia como a
morada do homem, enquanto ser existente no mundo e não
propriamente do problema enfocado pela análise sócio-
política-econômica.
O poeta experencia a linguagem como mundo,
como manifestação da diferença, da alteridade do mundo
e da coisa.
O corresponder em que o homem escuta propriamente
o apelo da linguagem é a saga que fala no elemento da poesia.
Quanto mais poético um poeta, mais livre, ou seja, mais
aberto e preparado para acolher o inesperado e seu dizer. Com
maior pureza ele entrega o que diz ao parecer daquele que o
escuta com dedicação. Ditar poeticamente é medir. Na poesia
acontece com propriedade o que todo medir é no fundo de sua
essência. O homem precisa de uma medida que vá ao encontro de
toda a dimensão.
Finalmente, a poesia é a tomada de medida e, na verdade, em
favor do habitar humano. A medida para a poesia é o divino. O
poeta na palavra cantante faz apelo a todas as claridades que
instauram a fisionomia do céu e todas as sonâncias de seus
cursos e ares, trazendo à luz e ao som o que assim se faz
apelo... Por isso a poesia é a capacidade fundamental do modo
humano de habitar.
O homem consegue ditar poeticamente segundo a medida
pela qual a essência é apropriada àquilo que
o homem é capaz, assim fazendo uso de sua essência, de sua
morada, deixa ressonâncias na arte, na ética e na poética...