Santos Dumont criou os primeiros balões dirigíveis, com quais realizou
as célebres voltas ao redor da Torre Eiffel. Foi também o primeiro a
decolar um protótipo de avião tripulado, impulsionado por um motor a
gasolina, sem ajuda do vento ou de rampas de lançamento.
Para além das contribuições aeronáuticas, atribui-se também a Santos
Dumont algumas invenções do cotidiano, como a porta de correr em
hangares, a adaptação do relógio de bolso para o pulso - que virou moda
em Paris - e ainda o chuveiro para banhos quentes e frios, na sua casa
em Petrópolis (RJ).
Mas Santos Dumont não estava preocupado em patentear as suas invenções.
A coordenadora do Museu da Casa de Santos Dumont, Marisa Guadalupe
Plum, disse à DW Brasil que ele considerava o conhecimento um bem comum
da humanidade e esperava que seus projetos melhorassem a vida das
pessoas.
Controvérsias
Apesar de sua contribuição para a aviação ser inquestionável, há
controvérsias sobre o reconhecimento de Dumont como o inventor do avião.
Ao contrário dos brasileiros, para a
Federação Aeronáutica Internacional e a maior parte do mundo, o crédito do invento é atribuído aos norte-americanos
Irmãos Wright.
"Sem dúvida Santos Dumont é um dos pioneiros da aeronáutica. Mas, para o avião, os
Irmãos Wright
são mais importantes", afirma o professor Holger Steinle, administrador
da exposição permanente sobre aviação no Museu Técnico Alemão de
Berlim.
Oficialmente, os Wright fizeram seu primeiro voo público com um avião
tripulado em 1908, mas alegaram que a façanha havia sido feita em
dezembro de 1903, nos Estados Unidos, praticamente três anos antes do
14-Bis.
A polêmica está baseada na falta de provas testemunhais ou documentos
que comprovem a realização desse voo. Há relatos de cinco testemunhas
locais que o teriam presenciado. Mas nenhuma delas com certificações ou
conhecimentos aeronáuticos para confirmá-lo. Anos depois foi ainda
apresentada uma fotografia, supostamente tirada na data do voo.
Santos Dumont foi o primeiro a realizar, de forma oficial, um voo
perante uma comissão de especialistas, jornalistas e diversas outras
testemunhas, sustenta Guadalupe. Ela afirma que o reconhecimento dos
irmãos Wright é uma questão de marketing. "Isso é o poderio dos Estados
Unidos, até pela força da própria indústria aeronáutica americana."
No início do século 20, as revoluções tecnológicas fervilhavam por
diversos cantos do mundo, o que naturalmente torna difícil a atribuição
de méritos diante de tantas pesquisas e protótipos desenvolvidos
paralelamente.
O voo do planador motorizado dos
Irmãos Wright, com decolagem realizada de uma colina, não caracteriza voo por meios próprios, como no caso do
14-Bis,
argumenta ela. Mas Steinle defende que o planador dos Wright se
mantinha um bom tempo no ar, era dirigível e manobrável, podendo
retornar ao ponto de decolagem. "Esse é o critério geralmente
reconhecido para se poder falar em voar", diz.
Do balão ao avião
Nascido em 20 de julho de 1873 na cidade de Palmira, em Minas Gerais --
hoje rebatizada em sua homenagem --, Santos Dumont sempre acreditou que
o homem poderia voar. Aos 18 anos foi emancipado e recebeu uma fortuna
familiar para que pudesse prosseguir seus estudos na França.
O brasileiro chegou a Paris em 1891 e pode vivenciar de perto as
grandes revoluções tecnológicas e culturais, como o surgimento da
lâmpada elétrica, o desenvolvimento da fotografia, do cinema e, claro,
os primeiros carros com motores de combustão.
Foi no balonismo que Dumont iniciou seus trabalhos de aviação. Após
alguns protótipos que deram errado, ele conseguiu resolver o grande
problema da dirigibilidade dos balões. Em 1899, o dirigível N-3, em
formato cilíndrico, que podia ser direcionado através de um motor
adaptado, ergueu voo perante o público francês e contornou a Torre
Eiffel, pousando em seguida em condições controladas.
Essa manobra fez com que Santos Dumont alcance o seu prestígio com o
público francês e o deixou confiante para participar do Prêmio Deutsch.
Criado por um milionário judeu, o prêmio prometia uma vultosa quantia em
dinheiro para o aviador que criasse um dirigível eficiente, rápido e
que realizasse um percurso determinado perante a comissão do Aeroclube
da França.
Em outubro de 1901 Dumont executou a prova com o novo dirigível N-6,
ganhando o prêmio em dinheiro e reconhecimento internacional.
Seguiram-se inúmeras publicações sobre o seu feito e convites de todo o
mundo para homenagens internacionais e a continuidade dos seus
projetos. A imagem do brasileiro voador ficou conhecida em toda Paris.
Era chegada a hora de tentar algo "mais pesado que o ar". Em 1906, Santos Dumont desenvolveu o famoso
14-Bis.
O modelo tripulado resolvia o grande problema de levantar voo por meios
próprios. A aeronave com um formato diferente possuía motor a gasolina,
que conferia velocidade, e um design que aproveitava a aerodinâmica do
ar.
Foi em 23 de outubro de 1906, cinco anos depois do vôo de dirigível ao redor da Torre Eiffel, que Dumont fez o
14-Bis
voar a três metros de altura ao longo de 60 metros, sem o auxílio de
rampas, catapultas ou do vento, apenas com a propulsão do motor. A
façanha ocorreu perante uma comissão do Aeroclube da França, que
concedeu a ele um prêmio em dinheiro.
Morte
Em 1931, Santos Dumont voltou ao Brasil num estado de saúde debilitado e
muito depressivo. Ele passou alguns meses em viagens pelo país até se
instalar num hotel em Guarujá, no litoral Paulista.
O inventor se resguardou de convívios sociais e já não aceitava
homenagens, tendo recusado tomar posse da cadeira reservada a ele na
Academia Brasileira de Letras.
Em julho de 1932, Santos Dumont pôs fim à própria vida no seu quarto de
hotel, aos 59 anos. Por não ter deixado uma nota de suicídio,
especula-se que Dumont teria visto aviões de combate sobrevoando Guarujá
para o ataque ao Campo de Marte, em São Paulo, devido a Revolução
Constitucionalista. Ver o seu invento como arma de guerra teria sido a
causa do seu grande desgosto, diz essa tese.
Mas Guadalupe sustenta que o suicídio foi, na verdade, o resultado de
um processo de desgaste físico e psicológico que se iniciou em 1910. Ela
diz que, durante a Primeira Guerra Mundial, Santos Dumont queimou todos
os seus projetos em Paris, e há documentos comprovando inúmeras
internações por neurastenia, o enfraquecimento do sistema nervoso.
"Na Europa ele entrou nesse processo depressivo, que tentou superar,
mas não conseguiu. No Brasil existia um clima tenso, estourando uma
revolução. Ele não conseguiu controlar os seus conflitos internos e não
suportou aquela tensão toda", diz Guadalupe.
Autor: Antônio Netto / Jan D. Walter
Revisão: Alexandre Schossler