O Brasil e a imigração –
considerações finais da História do Brasil
do alemão Handelmann
Gottfried Heinrich Handelmann (1827 – 1891)
Traduzido pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. (IHGB) Publicador pelo MEC, primeiro lançamento em 1931.
TOMO II
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Brasil e a imigração
Comparado aos três continentes do chamado Velho Mundo, inesgotável matriz de povos vibrantes de vitalidade, forma vivo contraste, como se sabe, o Novo Mundo, a América; a sua raça autóctone, a raça índia, em geral, mostra pequena capacidade vital, e já se vai extinguindo em muitos lugares; e, assim como no solo da América foi a imigração estrangeira que veio despertar a vida histórica, assim ela fica sendo contínua necessidade para os seus países, a fim de que a vida histórica e o desenvolvimento espiritual e material prossigam sempre, como até aqui.
Essa necessidade é comum a todos os países americanos; compreende-se, todavia, que, segundo as condições da população já existente e o estado de civilização atingido, ela se faz mais ou menos sentir em cada uma delas; porém entre os países, onde em maior escala essa necessidade existe e onde a todos os espíritos esclarecidos ela se faz mais profundamente sentir, o Brasil está atualmente em primeiro lugar.
Nesse gigantesco império, como já vimos na nossa peregrinação por todas as suas províncias (seção II), a colonização está até aqui apenas esboçada; a sua própria população, entretanto, é de todo insuficiente para preencher as lacunas existentes e entreligar com os laços da civilização os grupos dispersos; somente com o ininterrupto afluxo de auxílio estrangeiro tornar-se-á isso possível, no correr dos séculos.
Portanto, pode aqui caber mais uma vista de olhos retrospectiva, para ver qual a posição assumida pelo Brasil, particularmente desde a sua independência, em face do problema geral da emigração.
Excetuando uma pouco proveitosa tentativa de atrair para aqui também a raça asiática, — referimo-nos à colônia chinesa de plantadores de chá, na fazenda imperial de Santa Cruz (1817), a qual já mencionamos na história provincial do Rio de Janeiro (cap. X), havia o Brasil gozado, até ao ano de 1850, da vantagem de uma dupla corrente imigratória: primeiro, a imigração livre européia, e, depois, a africana, proporcionada pelo tráfico dos escravos negros. Dados estatísticos rigorosos, ou mesmo estimativos quaisquer de alguma segurança, sobre uma e outra, não os possuímos; uma coisa, porém, é fora de dúvida, e é que o número de escravos negros introduzidos superou de muito a imigração branca; se uma se conta por centenas de milhares, a outra conta-se por milhões.
Ê que a introdução de negros estava intimamente ligada com as condições econômicas do Brasil. Vimos, no correr de nossas considerações (sobretudo no cap. VIII), como o principal ramo de indústria, a lavoura, se baseava absolutamente no braço do escravo; por outro lado, como o fazendeiro brasileiro, semelhantemente ao das Antilhas, costumava, de preferência, desde sempre, manter e comprar escravos na plenitude da virilidade, muito menos mulheres; por isso, não bastava a procriação dos escravos no país para preencher as baixas naturais; e, para manter a produção no pé em que estava, ou para fazê-la progredir, era preciso um incessante afluxo do exterior para preencher as lacunas.
Isto nos explica porque o Brasil, depois que o tráfico dos negros já fora desde muito condenado pela opinião pública do mundo inteiro, só ele ainda mantinha e tolerava, além das Antilhas Espanholas, esse abuso, mesmo em franco menosprezo, tanto dos tratados estrangeiros, como das próprias leis do país198.
Nominalmente e por lei, estava o tráfico de escravos, já desde 13 de março de 1830, abolido e proibido; porém, ainda perdurou sob as vistas das autoridades brasileiras mais de vinte anos, sem impedimento, até que, enfim, a 4 de setembro de 1850, se seguiu nova e definitiva proibição. Esta lei comparava a introdução de escravos ao crime de pirataria e punia o transgressor com a perda do navio, do carregamento, mais uma multa de quatro contos (3.200 táleres) e 4 até 12 anos de exílio; por tentativa e cumplicidade, a punição variava conforme as circunstâncias; a mesma lei prescrevia, ainda, que todos os negros, apanhados nessas ocasiões, seriam libertados e reconduzidos à África, à custa do governo , porém, até ao momento de seu reembarque, seriam empregados como trabalhadores, sob as vistas do governo .
Aplicada seriamente e com severidade, esta lei veio pôr termo ao tráfico de escravos africanos e à introdução de negros; e, se, por causa da grande extensão de costas do império, não se pôde impedir que, aqui, ou acolá, um contrabandista alguma vez lançasse em terra a sua carga de homens, isto em conjunto não entrava em conta; o regular afluxo da imigração africana para o Brasil cessou para sempre.
É bem de imaginar que repercussão isso devia produzir sobre todas as condições econômicas do país. Em contraste com a procura e produção de artigos brasileiros, até aqui continuamente crescentes, tornou-se daí em diante impossível completar ou mesmo reforçar o conjunto da massa de escravos, que naturalmente foi minguando, nas proporções já referidas; em breve tornar-se-ia sensível a diminuição dos braços de trabalho, e essa baixa ainda foi consideravelmente acelerada e agravada pela terrível devastação que, no correr dos últimos anos, o cólera e a febre amarela causaram ao longo de todo o litoral brasileiro; como é natural, essa diminuição continuará a produzir-se uniformemente nos próximos decênios.
Poder-se-ia supor que, para sanar semelhante mal, se acharia remédio no próprio país, ao menos parcialmente. Como se sabe, a população livre, mesmo o homem de condição comum, tem sido até aqui completamente indolente, preguiçoso e avesso a todo esforço físico; agora, despontando a penúria e, à falta de trabalhadores, elevando-se o salário consideravelmente, poder-se-ia ser levado a admitir que sobreviria uma alteração a esse respeito.
"Isso teria alguma razão de ser, sob outras condições; somente quem conhece a frugalidade e as extremamente poucas necessidades a que o homem do povo, sob um tão abençoado pedaço de céu, sem o mais leve esforço, satisfaz, pode também compreender a inconsistência de tal hipótese.
Porque o homem livre havia de sujeitar-se a serviço de estranho, no qual se veria obrigado a trabalhar o ano inteiro, num país como o Brasil, onde qualquer um obtém terras para cultivar e onde lhe basta trabalhar apenas quatro semanas durante o ano, para ter o que comer à vontade, o ano inteiro, e ainda mais ficando senhor de si mesmo?
Também maiores lucros não tentam ao trabalho, pois o brasileiro livre prefere viver pobre e independente, e mesmo prefere tal vida à riqueza, se, para alcançá-la, tiver que trabalhar. Deve-se, portanto, admitir absolutamente, sem contestação, que a existente geração de homens livres nunca se sujeitará àqueles trabalhos esforçados, que eram executados pelos escravos!" Assim já julgava, há trinta anos, um dos melhores conhecedores das condições do Brasil, o intendente-chefe das minas, von Eschwege, tratando da eventualidade da abolição do tráfico de escravos (Pluic Brasiliensis, pág. 597); e que se verifica a verdade desse seu julgamento, agora, quando esse fato aconteceu, prova-o o brado angustioso do pedido de braços estrangeiros, que a imprensa brasileira incessantemente ergue nos últimos anos; no próprio país não se achou, na verdade, a mínima reparação para as baixas ocorridas.
Na verdade, as mais ricas províncias centrais, entre Bahia e São Paulo, sabiam e sabem de certo modo prover-se; compram os escravos das províncias do Norte, mais pobres; até a Bahia já se sentiu forçada, a fim de dificultar a saída de escravos para o Sul, a decretar leis provinciais, taxando a saída de escravos com um imposto de 100$ por cabeça!
Assim é que vemos aqui um fenômeno contrário à lei natural, no fato de que o tráfico interno de escravos, em vez de deslocá-los, como seria natural e como se di na América do Norte, da zona temperada para a quente, aqui faz o inverso; o escravo negro é retirado da zona tropical, que, segundo parece, sem ele não pode prosperar, e é levado para onde o trabalho livre do branco mais facilmente poderia substituí-lo. E, assim como é contrário à natureza, igualmente é prejudicial à coletividade, no mais alto grau, esse movimento do mercado interno de escravos; por um lado, avulta com isso, como se compreende, de modo extraordinário, a natural diminuição dos braços de trabalho nas províncias do Norte, acelerando assim a decadência da lavoura das mesmas; por outro lado, com o tempo, também para as províncias centrais esse auxílio dificilmente bastará, pois, pouco a pouco, à procura demasiado grande, o preço desses escravos tem que subir muito acima do verdadeiro valor.
Portanto, todo esse processo não vem a ser senão a provisória manutenção do bem-estar de algumas províncias, baseada sobre a ruína tanto mais rápida de outras 199. r
O verdadeiro remédio para as desvantagens que acarretou e acarreta, para o sistema das grandes plantações, para a lavoura do Brasil, a cessação da introdução do africano, só pode vir de fora, e para esse fim já foram, pelo lado brasileiro, experimentados dois caminhos. Primeiro, a imigração européia, denominada imigração "regular", isto é, a introdução de "parceristas" europeus, particularmente alemães e suíços. Já citamos a origem e manejo desse sistema, chamado de parceria, ao tratarmos da província onde de preferência foi aplicado (na história da província de São Paulo, cap. XI), e, portanto, podemos poupar-nos aqui à repetição das considerações ali feitas; baste uma observação: depois de violenta luta sobre questão de princípios, por palavras e por escritos, que aqui e além-mar produziram muito mau sangue, e da experiência prática durante anos, o sistema foi por ambas as partes condenado e abandonado; ele não trouxe vantagem digna de menção e dificilmente ainda poderá trazer alguma.
Sobre o segundo recurso, com o qual até aqui se fizeram igualmente ensaios no Brasil, não podemos ainda pronunciar tal sentença definitiva; referimo-nos à imigração "regular" de trabalhadores asiáticos (cules). Sabe-se como esse sistema foi inventado nas colônias britânicas das zonas quentes.
Quando ali, depois da abolição da escravidão africana, se sentiu igual falta de braços de trabalho, como a que atualmente experimenta o império sul-americano, mandaram-se vir, para substituí-los, trabalhadores das índias Orientais ou chins, que, por contrato, se obrigavam ao serviço da lavoura por determinado número de anos, e, à expiração do prazo, podiam tomar a ocupação que lhes aprouvesse ou voltar à pátria.
Desenvolveu-se daí em diante um regular afluxo de trabalhadores asiáticos, que apresentou todos os inconvenientes e barbaridades do anterior tráfico africano de escravos negros, e mesmo mais alguns, — pois, naturalmente, o patrão do navio e o fazendeiro melhor tratamento davam ao negro, que para toda a vida ficava sendo valiosa propriedade, do que ao cule, que se empenhava somente temporariamente; e, todavia, a Grã-Bretanha, tão humanitária para com os escravos negros, tolerava esse tráfico de escravos amarelos, mesmo o favorecia com a sua bandeira e os seus capitais.
Ultimamente, encetou também o Brasil essa introdução de asiáticos, pois desde 1855 foram trazidos ao Rio de Janeiro, Bahia, etc, uns tantos navios com carregamentos de chins; entretanto, as grandes distâncias tornam tão avultado o frete, que é de duvidar tenha bom êxito a experiência. E, além disso, parece-nos, em todo caso, pelo menos aventurado introduzir no país, em tão grande número, tal elemento que população asiática.
Certamente, se for bem sucedida a introdução de cules, e se a ela acrescentar em seguida uma imigração chinesa livre, à sua própria custa, como a que agora se dirige à Califórnia e às ilhas dos mares do Sul, seria remediada a falta de braços e a produção poderia crescer de modo gigantesco; porém, no futuro, ulteriores inconvenientes não superarão esse proveito?
Por toda parte onde, nos tempos recentes, a raça européia e a chinesa se encontraram e firmaram o pé, em solo americano e australiano, dentro em breve chegaram a uma concorrência hostil e atritos graves. O chim não é nenhum africano submisso; ao passo que este último, todo rude e impelido pelo instinto de imitação, procura apropriar-se dos usos e costumes europeus, o chim, possuidor de alta civilização própria, opõe-se obstinado à civilização européia e não se adapta a assimilação alguma; além disso, ele de muito supera em atividade e frugalidade ao crioulo de sangue europeu e africano. Não se pôde ainda, em parte alguma, conseguir vencer essa rígida, indómita peculiaridade, essa incansável concorrência; pois até a Califórnia já teve que tratar de defender-se contra a continuação da imigração chinesa, por meio de imposto de entrada no seu território, e mesmo nas ilhas inglesas dos mares do Sul se levantaram queixas de que não se sabe mais se são colônia inglesa ou chinesa!
Como será então no Brasil? A população das províncias tropicais do Norte, reduzida em número e indolente, estará em condições de sustentar essa concorrência? E, o que ainda é mais importante, será capaz de conservar o predomínio, quando uma corrente incessante de imigração chinesa se derramar ali?
Que resta, então, como único recurso recomendável para o Brasil? A imigração européia livre e voluntária (espontânea), um ininterrupto afluxo de lavrador como o que agora, ano após ano, vai rolando para a América do Norte. Tal imigração, ainda não a obteve o Brasil; somente a entrada de negociantes, artistas e operários estrangeiros, assim como de capitais estrangeiros, pode ser considerada espontânea, e tem sido da máxima importância para o desenvolvimento do império; porém, quanto a lavradores estrangeiros, a imigração sempre tem sido a: ficialmente obtida e sempre deu pouco resultado e pouco sucesso.
Durante a nossa peregrinação histórico-geográfica (seção II), sempre examinamos em cada uma das províncias as colônias agrícolas de língua estrangeira, ali fundadas, e a sorte que tiveram; consideremos agora mais uma vez, em conjunto, o andamento dessa "colonização" (como se costuma chamar-lhe no Brasil).
Promovida foi a mesma pela iniciaüva do governo; à instigação do rei d. João VI, foi, em 1812, ocupada, em primeiro lugar, a colônia de Santo Agostinho (Viana), Espírito Santo, com açorianos; depois, em 1818, a colônia Leopoldina eadr São Jorge dos Ilhéus, província da Bahia, com alemães; e, em 1819, Nova Friburg província do Rio de Janeiro, com colonos alemães e suíços, todos introduzido- i custa do governo e contemplados com doação de terras.
Em seguida, foi publicada, a 16 de março de 1820, uma lei especial, que co: dava mormente a emigração alemã para o Brasil, e prometia a cada imigrante católico um presente de terras; os cuidados e despesas da viagem ficavam de reste cargo de cada um.
Nem aqueles primeiros grupos coloniais, que durante muito tempo oscilaram entre a vida e a morte, sob a pior das administrações, nem esta lei, puderam pro zir em parte alguma qualquer força de atração; se o governo do imperador d Pedro I quis ter imigrantes, teve que recomeçar nova iniciativa; e, como se sabe associou o engajamento de colonos na Alemanha e na Irlanda com o de soldados e, nisso, os seus agentes e funcionários se tornaram culpados dos piores abuso da sorte e dissolução da primeira Legião Estrangeira de então (alemã), 1824-1830, já foram objeto de nossa narração (cap. XV).
Quanto às colônias agrícolas, recapitulemos somente que, pela iniciativa de d. Pedro, se formaram (além das extintas colônias de Catuca, província de Pernambuco, e São Januário, província da Bahia): as colônias alemães de Santo Amaro e Itapecerica, província de São Paulo, 1829; Rio Negro, província do Paraná, 1829; São Pedro de Alcântara e Itajaí, província de Santa Catarina, 1829; São Leopoldo, Três Forquilhas e Torres, província de São Pedro, 1824-25; quase todas baseadas em doação de terras e durante alguns anos socorridas com dinheiro pelo tesouro do império; não obstante, esteve a sua existência muito tempo vacilante, e as experiências feitas não eram, em geral, de natureza que pudessem induzir a emigração alemã à imitação. Como era natural, cessou toda a imigração instantaneamente, logo que uma lei, de 15 de dezembro de 1830, proibiu quaisquer despesas com a colonização estrangeira, e o governo do império, por conseguinte, se retraiu de qualquer cooperação direta.
Com isso, terminou o primeiro período da colonização (estrangeira); o governo do império, que até então havia diretamente promovido e dirigido a imigração, abandonou a iniciativa e contentou-se daí em diante em intervir de tempos em tempos, auxiliando e estimulando; somente ainda em dois casos, quando foi questão de engajamentos militares, o governo agiu diretamente. O primeiro deles foi sob a regência (1837), no engajamento de 800 mercenários alemães, que eram destinados a servir contra os rebeldes da província do Pará; já narramos a lamentável sorte desta pequena tropa (cap. VIII); o outro caso, mais recente (1851), foi o do recrutamento da segunda legião teuto-brasileira, sobre cujo destino não entraremos aqui em minudências; como se sabe, também ela teve lastimoso fim *.
O segundo período da colonização começa com o ano de 1834, quando a lei da reforma da constituição, o denominado Ato Adicional, entregou à discrição dos governos provinciais "promover e estimular, em colaboração com o poder central, o estabelecimento de colônias (de língua estrangeira)".
E foi Santa Catarina a primeira província que se utilizou desse direito; já em 1835, o governo provincial ali estabeleceu a primeira colônia, em Itajaí-Mirim, e, a 15 de julho de 1836, ele publicava uma lei provincial de colonização e, depois, o decreto complementar de 2 de maio de 1837; semelhantemente aconteceu, no correr dos mais próximos decênios, em outras províncias.
Como no período precedente, também neste ainda a imigração era inteiramente artificial; a princípio, os governos provinciais tomavam à sua conta a iniciativa; angariavam e em parte também transportavam o imigrante e davam para o estabelecimento das colônias agrícolas o solo gratuitamente; em breve acharam auxiliares nesse empenho, empreendedores particulares, nacionais e estrangeiros, isolados e em sociedade, que tomavam a peito fundar, por sua própria conta, grupos coloniais, e para isso apenas pediam e obtinham algum auxílio do governo.
Assim, no espaço de vinte anos, ainda surgiram muitas colônias, parte baseadas sobre doação, sobre compra de terras ou aforamento, parte sobre o sistema de parceria; não repetiremos aqui os seus nomes. Apenas notamos de passagem que, na generalidade, também nessas colônias se apresentaram os mesmos inconvenientes observados no primeiro período de colonização: muito era prometido e pouco cumprido, e as canseiras, que são inevitáveis numa fundação em país selvagem, aumentaram de modo extraordinário pela má administração e penosa tutoria das autoridades, assim como por muitos atritos com a população nacional.
E, agora, qual o resultado total,
depois de perto de quarenta anos
de trabalhos de colonização?
No ano de 1855, existiam em todo o Brasil cerca de 80 colônias de imigrantes agricultores, cuja totalidade de população pode somar apenas umas 40.000 almas; portanto, mais ou menos o mesmo que costuma emigrar para os Estados Unidos num só trimestre! (Veja-se tábua IV, sobre colônias).
Até aqui poderia ser isso indiferente, enquanto o bem-estar econômico do Brasil era essencialmente baseado na introdução de africanos; agora não mais, desde que cessou esse tráfico, e importa obter um equivalente para a falta de braços.
Como já se disse, em vez da imigração artificial e fraca, deveria afluir ao país uma corrente espontânea e forte, ininterrupta, de agricultores, sem o que pouco a pouco sofrerá a produção, — portanto a exportação e todo o bem-estar nacional, grande decrescimento —, durante os próximos decênios.
Observemos, entretanto, que isso não se deve entender como podendo ou devendo tal introdução compensar exata e imediatamente a introdução suspensa de africanos.
Absolutamente, não; já pelas condições naturais e climatéricas, ficam impostos determinados limites à imigração de agricultores europeus; melhor se prestam para recebê-los, incontestavelmente, as províncias do Sul, São Pedro, Santa Catarina, Paraná; além disso, as terras altas de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo; esse limite norte, eles não o deverão ultrapassar, assim como, quanto possível, convirá que se afastem também, sobretudo, das terras de aluvião da costa atlântica e dos vales profundamente cortados pelos rios tributários do Atlântico, onde nos últimos anos o cólera e a febre amarela fizeram o seu terrível cortejo triunfal.
Portanto: a parte norte do império, as províncias do açúcar (Bahia, Pernambuco, etc), e do algodão (Maranhão, etc), não se prestam propriamente para a imigração européia; nem, igualmente, a não ser em certa medida, as províncias centrais do Sul, as terras do café (Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo), e as províncias do Sul, onde já os cereais americano-europeus prevalecem.
Uma imigração espontânea de lavradores não se poderá facilmente conjugar com o sistema das lavouras aqui em uso. O lavrador europeu, conforme já declaravam no ano de 1723 os camponeses alemães no Estado de Nova York, "não emigra para a América a fazer serviço forçado de lavoura", nem tenciona a Alemanha de hoje, dado o sentimento nacional de seus direitos, consentir em tal emigração ou animá-la; uma tentativa deste gênero, como o sistema de parceria, já se malogrou, como antes mencionamos. Ao contrário, o europeu, o lavrador alemão, quando transpõe o oceano, quer ser o que era no seu país ou o que debalde procurou ser: senhor livre no seu próprio pedaço de terra.
Portanto, para que uma imigração espontânea aflua para a metade sul do Brasil, ache campo fértil para as suas atividades, necessário é que se proceda a uma radical mudança no sistema de administração, como condição preliminar; e, como conseqüência, em lugar do sistema de plantação em fazenda, deve-se pouco a pouco adotar o da pequena lavoura; em vez do fazendeiro, o lavrador; em vez do trabalho do escravo, o do braço livre.
Já dissemos que uma tal mudança é possível, diante das condições naturais e climatéricas; também as condições econômicas não apresentam dificuldade alguma; assim como o cultivo dos cereais, do fumo, etc, também o do café dá lucro, com o trabalho livre e explorado em pequenas propriedades; lembramos a este respeito o fato conhecido, que se deu na ilha de Haiti, quando ali a revolução acarretou a abolição da escravatura e o desmembramento das fazendas: o açúcar e o algodão decaíram, sem dúvida; a produção do café, porém, tornou-se mais geral.
Mudança como a que acima sugerimos é, portanto, muito possível na metade sul do Brasil; essa região de modo algum sofreria prejuízo; por outro lado, porém, surgiria com isso considerável proveito para a metade norte, pois esta, que, segundo a experiência ensina, não pode dispensar o trabalho do escravo negro no cultivo dos seus principais produtos (açúcar e algodão), receberia então os escravos tornados dispensáveis no Sul. Assim verificar-se-ia no Brasil a mesma divisão do interior da União Norte-Americana, a divisão em agrupamento tríplice: — de Estados de lavoura livre, de Estados de lavoura mista criadores de escravos, e de Estados plantadores que necessitam dos escravos; porém, o tráfico interno de escravos deixaria o seu caminho contrário à natureza, no qual ele atualmente se acha, e voltaria ao caminho natural, fazendo passar os negros das zonas temperadas do Sul para as quentes do Norte.
Portanto, uma transformação econômica no Sul do Brasil, a substituição da exploração de fazendas pela própria pequena lavoura, é a condição para que uma imigração voluntária (espontânea) de lavradores europeus possa propagar-se ali (e com isso indiretamente se remediaria a falta de braço das províncias do Norte). E que é que se fez até aqui para promover e dar começo a tal estado de coisas, primeiro, da parte da população, e segundo, da parte do governo?
Quanto à primeira parte dessa pergunta, poderemos em geral, sem escrúpulos, responder: até aqui a classe detentora de terras, a aristocracia de fazendeiros (as outras classes da população não entram aqui em conta), não tem sido nada inclinada a uma mudança dessa espécie.
Recapitulemos
ainda uma vez as condições das propriedades rurais.
Excluindo mais ou menos as três províncias do extremo Sul, por toda parte, nas províncias costeiras do Brasil, a porção mais valiosa e mais bem situada, o solo ribeirinho do mar e dos rios navegáveis, está nas mãos de um número relativamente pequeno de proprietários de terras (fazendeiros), parte em virtude de normal doação do governo e dos antigos donatários e representantes da coroa (sesmaria), parte em virtude de simples ocupação desde longos anos; ao que se sabe, devem existir em todo o império, uns 160.000 donos de terras, ou, segundo outra avaliação, apenas 40.000.
Cada uma das propriedades é, portanto, de imensa extensão; o possuidor jamais está em condições de tornar a mesma toda ela produtiva; ele contenta-se a cada momento em cultivar somente um recanto do solo, por sistema de cultura exaustiva. Não obstante, nunca lhe passa pela mente abrir mão de qualquer parte do seu inútil e deserto território, vender qualquer parcela para posse livre ou parceria; é para ele questão de honra ou de vaidade não mutilar a sua fazenda. Assim foi desde o tempo antigo; e a história também nos mostrou como por toda parte se criou, fazendo frente a essa pequena aristocracia rural, a multidão de gente do povo, sem eira nem beira. Assim ficou até recentemente.
Já o viajante inglês Henderson, cerca de 1820, escreveu: "E uma grande desgraça para o Brasil estarem extensões enormes de territorio nas mãos de proprietários que não possuem bastante fortuna, nem mesmo para poderem cultivar a centésima parte delas, e que, não obstante, se agarram tenazmente à sua propriedade, na esperança de que, ao contínuo desenvolvimento do país, a mesma se valorize cada dia mais.
"Quando realmente se querem desfazer de uma parte, é somente por aforamento, e sob toda sorte de condições, e especialmente sob reserva de onerosa preferência de compra, de modo que o comprador fica a todos os respeitos dependente e atado.
"Onde, porém,
tal costume prevalece,devem os estranhos,
que tenham desejo de aplicar dinheiro
e trabalho no cultivo da terra,
desanimar completamente!"
E também as condições dos tempos mais recentes nada mudaram; no extremo Sul, na província de São Pedro, temos visto alguns fazendeiros parcelarem os seus latifúndios e venderem essas parcelas para livre posse; foi, desse modo, que se constituíram então a colónia Mundo Novo (1851) e outras; porém, mais para o norte, nas províncias propriamente cafeeiras, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, não se verificou até hoje um só exemplo desses; aqui, em geral, se trata de conservar íntegra a grande propriedade, com o trabalho dos negros ou de parceristas europeus.
Entre tantos contratos de meio-arrendamento, que se firmaram nos últimos anos, em nenhum deles o proprietário das terras se quis prender, com a cláusula de cessão de uma só polegada de solo a seus parceristas, por meio de venda ou aforamento, à expiração do prazo.
Aqui não se pensa, portanto, em promover uma mudança econômica, qual a que acima mencionamos como necessária para todo o império; só no extremo Sul talvez ela se faça, pouco a pouco, por si mesma; porém, só isso pouco adiantaria para o todo, pois ali, nas províncias de Paraná, Santa Catarina, São Pedro, o número de escravos é pequeno e já, de resto, em certa proporção, concorrem em partes iguais os escravos e o trabalho livre; portanto, a mudança, mesmo feita inteiramente só ali, não daria sobras de braços dignas de menção para o Norte necessitado.
Compete ao governo central, diante da passividade e indiferença da classe possuidora de terras, a iniciativa nesse campo. Se observarmos a sua ação nos últimos anos, verificaremos que, na prática, ela foi diversa e sem rigorosa continuidade: foi sustentado provisoriamente com o dinheiro do Estado, além de muitas fundações coloniais baseadas na compra de terras, também o sistema de meio arrendamento e de tráfico de cules, o que se explica e desculpa pela necessidade do momento. Felizmente, porém, o governo imperial se firma, por princípio, na opinião de que somente a colonização e imigração de proprietários livres, — portanto, imigração espontânea, como também nós a entendemos, — merecem ser promovidas e podem trazer a salvação. Também, já desde muito tempo, o governo tem pensado em facilitar os caminhos para tal. Contudo, muitos obstáculos se têm oposto, sendo o mais importante a falta de uma legislação de terras bem organizada.
Se um governo quer de fato e precisa chamar uma imigração de lavradores a seu país, naturalmente tem que tomar providências para vir a seu encontro, a fim de tornar possível a cada um obter depressa, fácil e razoavelmente, campo para a sua atividade; ou, para empregarmos as próprias palavras do relatório oficial de 11 de maio de 1855: "A medição e demarcação de pequenos lotes de terras ao alcance de medíocres fortunas, situados em pontos convenientes, e expostos à venda, de maneira que o imigrante possa contar obtê-los logo após a sua chegada, ou logo que lho permitam seus recursos, se não são por si sós a condição exclusiva de imigração (espontânea), são, sem dúvida, a mais poderosa alavanca para fomentá-la".
Isto se comprova desde decênios na União Norte-Americana, e, sem dúvida, ela deve justamente a seu bem organizado sistema de parcelamento e à venda de terras públicas a incessante corrente imigratória que se derrama ali.
No Brasil, até aos tempos recentes, não existia nada parecido, nem era possível, pois o sistema da propriedade territorial estava em completa balbúrdia e quase que em parte alguma se podia ter completa segurariça, se o solo era já posse particular, ou ainda sem dono, portanto propriedade pública.
De fato, desde os princípios da colonização, e, mais tarde, em repetidas ocasiões, procurou o governo obviar a tal anarquia; já um decreto, de 17 de dezembro de 1548, ordenava que as sesmarias fossem regularmente registradas, confirmadas e medidas pelas autoridades competentes, e outros decretos análogos seguiram-se de tempos em tempos; também foi legalmente estabelecido que, se, dentro do prazo determinado, em geral dentro de cinco anos, ao menos uma parte da sesmaria não fosse cultivada, a doação era cassada e devia voltar a terra à posse do Estado; porém, todas essas instruções pouca observância tiveram; e a simples posse de fato escapava a toda fiscalização.
Assim resultou, no correr dos séculos, a mais inextricável confusão; aconteceu doar-se o mesmo pedaço de terra, todo inteiro, ou parte dele, a dois ou mais; litígios por causa de questões de divisa estavam na ordem do dia, e, ainda atualmente, dão esses litígios, em muitos lugares, motivo à metade das inimizades de famílias e assassínios. Igualmente, quando o governo queria dispor de qualquer terreno deserto ou já havia disposto dele desde anos, então surgia, de improviso, um particular, que provava mais antigos direitos de posse; relembramos somente o que se deu na colônia alemã de São Pedro de Alcântara, onde o imperador d. Pedro I doou aos colonos matas virgens, e onde estes tiveram depois que comprar as mesmas terras dos particulares possuidores legais, a fim de se pouparem a interminável processo.
Tal falta de segurança do direito de posse da terra, que já para o nacional traz tantos inconvenientes, não podia deixar de desanimar completamente a imigração espontânea; era, portanto, problema fundamental remediar a isso. E com isso se ocupou, então, o governo imperial, já desde o princípio do precedente decênio; e, no ano de 1843, o deputado, mais tarde ministro e conselheiro de Estado, Joaquim José Rodrigues Torres, apresentou um projeto de lei à assembléia geral, relativo à separação dos domínios do Estado (terras devolutas) do solo que se achava na posse de particulares, assim como à sua medição e venda parcelada.
Esse projeto, entretanto, encontrou viva e demorada oposição, que provavelmente, por um lado, se fundava no receio da aristocracia de fazendeiros de perder uma parte de suas posses não muito bem adquiridas, por outro lado, porém, haveria ainda segunda circunstância. Já se disse como, pela experiência, a produção do café pode muito bem ser explorada com trabalho livre e em pequenas propriedades; o pequeno sitiante, lavrador de café, seria, pois, temível concorrente para o grande plantador de café; e a aristocracia de fazendeiros, sobretudo das províncias cafeeiras, era decididamente contrária a toda essa medida que, afinal, tendia a promover a formação de tal classe de pequenos proprietários rurais. Assim, a lei sobre terras devolutas só passou depois de anos de lutas parlamentares e foi, a 18 de setembro de 1850, sancionada pelo imperador (mais ou menos ao mesmo tempo que a lei tocante à definitiva abolição do tráfico dos negros).
Mesmo assim, ficou essa lei, ainda durante anos, letra morta; a influência entorpecente da aristocracia de fazendeiros fazia-se valer de novo, e, depois de grandes delongas, conseguiu a mesma fazer passar um regulamento para execução daquela lei, de 30 de janeiro de 1854, que enfraquecia, de modo importante, as determinações da lei de 1850. Em seguida, foi instituída uma Repartição Geral de Terras Públicas e, além disso, foram criadas delegações dessa repartição e iniciadas, em diversos pontos, medições de terras públicas, primeiro nas províncias de Alto-Ama-zonas, Pará, Maranhão, e, depois, também em São Pedro, Santa Catarina e São Paulo.
Sem entrar em pormenores sobre o teor dessas medidas legislativas, precisamos, contudo, pôr em relevo um resumo de seus traços fundamentais.
Primeiro, no que diz respeito ao sistema territorial futuro, medição e venda de terras devolutas, foi adotado inteiramente o modelo norte-americano. Sem falar em uma faixa de terra de 10 léguas de largura, ao longo das fronteiras do império, onde fica ao alvitre do governo doar terras (talvez para estabelecer fronteira militar?), de futuro só podem ser adquiridas terras do Estado mediante compra, sendo que a venda, nas zonas medidas, deve ser efetuada pelas competentes autoridades em hasta pública ou livremente.
Para o futuro, todo comprador (bem como, em geral, todo proprietário) de terras terá que obter título autêntico de posse, passado pelas autoridades provinciais, sem o qual não as poderá hipotecar, nem de modo algum alienar. O preço mínimo varia, segundo a qualidade e situação das terras, entre 72, 1, 1 V2 e 2 réis por braça quadrada: como unidade de medição e venda foi estabelecida uma área de 500 braças em quadrado (6 pés ou 8 V2 polegadas prussianas), portanto 250.000 braças quadradas ou cerca de 226 jeiras; todavia, poder-se-á ceder a metade ou a quarta parte de tal lote. Portanto, para obter-se, deste modo, a menor propriedade possível (V4 de lote de terras do Estado), pagará cada um, segundo a qualidade, 31 1/4, 62 1/2, 93 3/4, ou 125 mil réis, ao que se acrescentarão pela escritura, além do selo e espórtula, 9 mil réis (respectivamente o total de 32, 57, 82 ou 107 táleres, padrão prussiano, ao passo que na América do Norte custa o menor lote, 1/10 de seção ou 40 acres, ao preço mínimo fixado, além da escritura, espórtula, etc, 54 dólares ou 75 1/2 táleres; além disso, o lote no Brasil é um pouco maior que o norte-americano).
Todavia, essas disposições somente terão importância prática, quando as terras públicas forem demarcadas, medidas e assim ficarem disponíveis; para o momento e, portanto, muito mais importante a segunda categoria de prescrições contidas naquelas mesmas leis, que dizem respeito à separação dos domínios do Estado e sua delimitação com o domínio particular.
Neste sentido, foi estabelecido, para garantia e fixação dos direitos de propriedades particulares, o seguinte: todo possuidor de terras, que tiver título legítimo da aquisição do seu domínio, acha-se garantido, sem nova medição nem novo título, podendo, contudo, se o proprietário o preferir, requerer a medição e demarcação de sua propriedade e receber, conseqüentemente, novo título de propriedade das terras.
Além disso, os possuidores de sesmaria, que não cumpriram a cláusula da doação, portanto, por direito, perderam o seu título, poderão, contudo, conservá-lo e somente serão obrigados a fazer a revalidação do seu título em prazo determinado.
Finalmente, aqueles que tiverem adquirido posse das terras por ocupação efetiva, devem fazer legitimá-las, e não só lhes será confirmada a posse do terreno que tiverem cultivado ou estiverem ocupando com criação de gado, mas, ainda, lhes será doado gratuitamente outro tanto de terreno devoluto contíguo, contanto que em nenhum caso a extensão total da posse exceda a uma sesmaria, igual às últimas concedidas nos arredores.
Como se vê, não se podia ter imaginado processo mais favorável para a influente aristocracia de fazendeiros.
"Apesar dessa excelente (desmedida) liberalidade", assim refere um escrito oficioso do ano de 1854, "para com todos os posseiros e sesmeiros, ainda, em diversas zonas saudáveis, restam extensos e férteis territórios, situados à margem de excelentes rios navegáveis e de portos de mar ou bastante próximos que pertencem ao Estado, como propriedade pública." ("Considerações sobre as leis de repartição de terras", Rio de Janeiro.)
Somente o resultado das medições agora iniciadas decidirá definitivamente da exatidão ou inexatidão dessa suposição, sobre o que, porém, muitos anos ainda podem passar; por enquanto, todavia, os conhecedores das circunstâncias do Brasil põem em dúvida essa afirmação ou, no que diz respeito às províncias costeiras da zona temperada, só lhes reconhecem validade com certas restrições. No extremo Sul (São Pedro, Santa Catarina e Paraná), certamente já se encontraram muitos trechos de terras do Estado bem situadas, e, sem dúvida, ainda muitas dessas haverá; porém, quanto às províncias cafeeiras (São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, sobretudo o vale do Paraíba), deve-se pôr em dúvida que exista por ali alguma parcela de terras públicas digna de menção; ali, provavelmente, a nova lei e a medição só servirão para confirmar e completar o domínio exclusivo da aristocracia de fazendeiros sobre as terras.
Assim, pode-se dizer que a nova legislação não conseguiu tornar possível, para toda a metade sul do Brasil, a imigração européia e dar começo ali à mudança econômica (na medida desejada), necessária para todo o império.
Também, por isso, ao que consta, no Rio de Janeiro se cuida de uma medida complementar, medida que já desde mais de um decênio tem sido por todos os lados repetidamente aconselhada, porém ainda sempre sem ser adotada; referimo-nos à aplicação de um imposto territorial, que taxaria sem distinção todas as terras de posse particular, tanto as cultivadas, como as incultas.
Somente tal imposto, variando de taxa, segundo as diversas regiões do país, poderia dar um suficiente contrapeso ao insensato e irredutível apego com que a aristocracia de fazendeiros tem em mão a sua superabundância de terras.
Desde que o fazendeiro tenha que pagar o imposto por sua propriedade inculta, que, agora, se nada lhe rende, também nada lhe custa, então certamente ele de pronto se prestará a vender o que não pode ele próprio com vantagem administrar, ou o deixará cair em devolução ao Estado; e, reduzido a menor território, ele mudará pouco a pouco o sistema atual de cultura exaustiva por um sistema de exploração agrícola racional.
E extensões gigantescas, que agora são verdadeiramente de mão-morta para o possuidor, e para todo o mundo jazem inúteis, estarão prontas, então, para receber uma imigração espontânea européia, para o estabelecimento de uma numerosa classe de pequenos lavradores. E a mencionada mudança econômica do Sul, que deve fornecer ao Norte esgotado a sua obra de braços africanos, se realizará então pouco a pouco.
Só o tempo nos dirá se o governo não considera necessário e aconselhável estimular uma tal mudança com outra medida complementar, — queremos dizer, dar princípio à extinção da escravatura, primeiramente nas três ou quatro províncias mais meridionais, com a permissão de vender os escravos para o Norte.
Até aqui nos temos sempre colocado, sobretudo, no ponto de vista econômico do Brasil; demonstramos que uma imigração européia, espontânea e numerosa, de lavradores, é uma incontestável necessidade para este país; mostramos como o seu governo está atualmente ocupado em dispor as condições preliminares para essa imigração, estabelecendo uma legislação de terras bem organizada. Passemos agora para o outro lado, e perguntemos que outras garantias o imigrante deve exigir, o que neste sentido a legislação brasileira tem assegurado, e o que ainda lhe falta assegurar.
O emigrante, quando sai da terra natal, para procurar uma nova pátria além-oceano, naturalmente tem em vista, cm primeiro lugar, a fundação de nova existência material segura e, se possível, em melhores condições; ao lavrador deve-se, portanto, proporcionar a possibilidade de obter um terreno, sem demora, facilmente e com pouco dispêndio; isso acontecerá no Brasil, logo que se completar a iniciada instituição de uma legislação de propriedade territorial bem organizada.
Além disso, deve o imigrante naturalmente desejar que a plena posse dos direitos de cidadão, a que ele renunciou ao expatriar-se, seja recobrada na nova pátria, o mais depressa possível, pela naturalização.
Neste sentido, providenciou em primeiro lugar a lei de naturalização, de 23 de outubro de 1832. Excluindo algumas facilidades em benefício de algumas categorias de pessoas (o casado com brasileira, o filho adotivo de brasileiro, o ex-mercenário do exército brasileiro, o admitido ao magistério, o inventor, etc), as condições gerais para a naturalização são as seguintes: ter 21 anos de idade, achar-se no gozo dos direitos civis, como cidadão, no país de onde veio, salvo se os houver perdido por motivos exclusivamente políticos, ser possuidor de bens de raiz no Brasil ou nele ter parte em fundos de algum estabelecimento industrial, ou exercer alguma profissão honrada, finalmente ter declarado na câmara do município de sua residência seus princípios religiosos, sua naturalidade e que pretende fixar seu domicílio no Brasil; logo que tiver residido por espaço de quatro anos consecutivos no país, recebe a sua carta de naturalização, pagando a quantia de 12$800, pelo registro, à autoridade municipal da câmara mais próxima; nessa ocasião, presta juramento (ou promessa) de obediência e fidelidade à constituição e às leis do país, bem como que reconhece o Brasil por sua pátria, daquele dia em diante.
O filho de cidadão naturalizado, nascido antes da naturalização de seu pai, uma vez maior de 21 anos, obterá carta de naturalização, unicamente declarando que quer ser cidadão brasileiro e provando que tem um meio honesto de subsistência.
As determinações dessa lei têm validade até atualmente; apenas o decreto de 30 de agosto de 1843 reduziu o prazo de naturalização de quatro anos para dois. Além disso, foram concedidas, entretanto, exclusivamente aos colonos da lavoura, excepcionais facilidades, pelo artigo 17 da lei sobre terras devolutas, de 18 de setembro de 1853 e 16 de junho de 1855; os lavradores, que adquiram e colonizem terras, podem, já ao cabo de dois anos, ou mais cedo ainda, se o governo concordar, conseguir, mediante simples pedido, a sua naturalização, e, além disso, ficam isentos do recrutamento para o exército e do serviço de guerra; contudo, não são dispensados de servir na milícia do seu lugar de residência. A isso se acrescentou a concessão de naturalização imediata e gratuita a todos os colonos estrangeiros estabelecidos no domínio do império até junho de 1855, à simples declaração, desde que o queiram (assim como o mesmo fora concedido já antes, pela lei de 3 de setembro de 1846, às colônias de São Leopoldo e São Pedro de Alcântara, etc, e, pela lei de 31 de janeiro de 1850, à colônia de Petrópolis e a todas as colônias fundadas em Santa Catarina).
No sentido da rapidez e das condições de naturalização, a legislação brasileira satisfaz, portanto, a todas as pretensões razoáveis 20°; todavia, resta uma grande lacuna. E que a naturalização não concede plenos direitos de cidadão: segundo dispõe a constituição, o ádvena naturalizado é para sempre excluído (além dos cargos de regente e de ministro de Estado) da elegibilidade para a câmara dos deputados do império.
Por um lado, esta cláusula pode ser considerada sem importância; pode-se objetar que ela atinge somente a uma geração de imigrantes, a primeira, e também que, por exemplo, na América do Norte, somente no mais raro dos casos, um imigrante alcançou, de fato, fazer parte da representação nacional; porém, a coisa é inteiramente diversa. Não ser eleito, pode ser indiferente à maioria ou mesmo desejável, mas não ser elegível é ofensivo; e o Brasil, se quer contar com uma imigração espontânea, deve tratar quanto antes de remover esses odiosos restos da antiga desconfiança dos portugueses contra os estrangeiros. Somente do cargo de regente podem continuar excluídos, para o futuro, também os cidadãos naturalizados.
Devem igualmente ser abolidas as medidas legais que fazem depender em parte da fé católica o pleno gozo dos direitos de cidadãos. Já dissemos que, segundo a constituição, no Brasil os acatólicos são excluídos da elegibilidade para deputados e são proibidas as formas exteriores da igreja, torres e sinos, nas casas de Deus dos acatólicos, e que a legislação vigente nega, ou pelo menos contesta, a validade de atos religiosos acatólicos, mormente os casamentos.
No antigo exclusivo catolicismo-do povo brasileiro, isso poderia não ter importância, nem ser irritante; porém, em atenção à almejada imigração, não têm mais cabimento tão intolerantes leis. A raça de língua alemã, da Alemanha, Suíça, etc, que fornece de fato a grande maioria da imigração européia, e que o Brasil de preferência procura atrair, professa aproximadamente em iguais partes, o rito católico e o evangélico; na pátria, essa raça sustentou uma guerra de séculos, para obter a paridade legal de ambas essas religiões, e aprendeu a respeitá-la, e não poderá sentir-se disposta a reviver ainda, seja onde for, semelhantes lutas; antes, um país, que se quer oferecer como nova pátria, deve tratar de promover, senão a plena liberdade de culto, ao menos a equiparação legal de ambas as confissões principais. E satisfazer essa exigência não será também para o Brasil grande dificuldade, pois ali, como se sabe, o governo é em geral tolerante, a igreja católica pouco forte e o povo refratário a excessos de zelo.
E mais: considerando que o Brasil só pode receber a principal corrente imigratória de uma raça de língua alemã, será necessária e conveniente ainda outra concessão de caráter nacional.
A raça de língua alemã, forte em número e em energia interior, não é daquelas que facilmente se deixam absorver e assimilar; mesmo abandonando a sua terra natal, e transferindo francamente para a nova pátria o seu amor pátrio, as suas inclinações, de modo algum deseja incorporar-se sem mais nem menos ao povo ao qual se ajunta, porém quer conservar, guardar a sua nacionalidade alemã, a sua língua e os seus costumes.
200 Na prática, porém, as coisas não se apresentam tão boas. "Mesmo os direitos assim mutilados, como os que concede a naturalização, não se alcançam senão por uma série de formalidades imprecisas e complicadas e mediante custas desproporcionais (cerca de 100S000)." (Rozwadowsky: O Governo e a colonização. Rio de Janeiro, 18.57.) Tais queixas são ao menos dignas de atenção. (Nota do autor.)
E, de que ela possui a força e pertinácia necessárias para tal, tem-se a demonstração na América do Norte, onde, em meio da população inglesa preponderante. não somente centenas de milhares de imigrados, porém até milhões de filhos de alemães, nascidos lá, conservam os seus característicos nacionais e os propagam de geração em geração, apesar da hostilidade do específico inglesismo, o nativismo inglês.
Se o Brasil quer receber de fato, uma imigração alemã, deve contar com o mesmo fenômeno, a formação de uma raça teuto-brasileira. Parece, entretanto, que o orgulho nacional brasileiro, ou, antes, o antigo exclusivismo português, se arrepia contra tal perspectiva; já narramos (cap. X) como recentemente se revelou, no modo de proceder das autoridades provinciais e municipais para com ambas as grandes colônias alemãs de São Leopoldo e Petrópolis, o desejo de fundir rapidamente e à força o elemento alemão com o brasileiro, como declararam abertamente ao pastor protestante alemão Wiedemann, em Petrópolis: "É a vontade do governo que dora em diante se faça a fusão e tudo se organize de conformidade com os costumes brasileiros".
De tais veleidades nativistas terão os brasileiros que desistir certamente a fim de conjurar a desconfiança que de novo se desperta, terão mesmo, ao contrário, que dar garantias de. estarem resolvidos a acatar e proteger a nacionalidade alemã do imigrado; terão, para esse fim, que facilitar o mais possível aos imigrantes o estabelecimento de comunas próprias independentes, e, em vez de lhes dar a tutela de diretores, deixar-lhes a administração própria, por funcionários por eles mesmos eleitos.
Nesse campo, aqui se oferece, de resto, a oportunidade para o império sul-americano de levar vantagem sobre a União Americana, criando um contrapeso, um motivo de preferência aos olhos dos alemães, pois que, aliás, no tocante à imigração européia, o Brasil está em tão grande desvantagem; só lembramos o preconceito já criado, a travessia mais demorada e dispendiosa, e, finalmente. 2 pertinácia com que os alemães perseveram na corrente para a América do Norte-Para isso, torna-se, porém, necessário fazer concessões extensas e generosas.
De nosso lado, estamos muito longe de planos idealistas exagerados, e concordamos plenamente em que o governo brasileiro, tampouco o norte-americano, não possa estar disposto a admitir a formação de uma nacionalidade estrangeira no seu território, um estado no Estado; uma nova Alemanha, uma província ex-aqui, como lá. Mas, por outro lado, os governos do império e provinciais poderiam aqui, como lá. Mas, por outro lado, os govenos do império e provinciais poderiam muito bem promover a formação de distritos com preponderância de alemães: bastaria, então, estabelecer os núcleos coloniais aqui e acolá, de modo que, pouco a pouco, crescendo, eles se ligassem, e promover esse processo o mais possível pela construção de boas estradas de comunicação, como já apontamos, por exemplo, na província de São Paulo; uma grande zona alemã, nessas condições, exerceria uma força de atração fora do comum para a imigração espontânea.
E julgamos que tal coisa não acarretaria inconveniente algum político; tem-no demonstrado de sobra o exemplo da Hungria, Rússia e América do Norte, com a experiência de séculos; ainda em parte alguma esses territórios, com raça alemã preponderante, nada ficaram a dever, em lealdade e amor da pátria, aos povos irmãos de outra língua, nem se manifestaram hostis, quando não provocados e ofendidos.
Além disso, o que restaria para o governo do império e o provincial fazerem, seria promover para aquelas regiões, onde se cogita, sobretudo, de uma imigração alemã, a equiparação legal da língua alemã. A língua oficial ficaria sendo, sem dúvida, a portuguesa; porém, por exemplo, as leis deveriam ser publicadas com a tradução alemã oficial ao lado do texto português, o uso da língua alemã deveria ser admitido na escola, na igreja e no tribunal, assim como em todas as transações comerciais particulares. Também seria para desejar, e de resultado benéfico, providenciar-se para a instrução pública alemã e a instituição do ensino da língua alemã nas escolas públicas brasileiras, tanto como o da portuguesa nas escolas alemãs. Por esse meio, aproximando ambas as nacionalidades, facilitar-se-iam necessariamente as relações mútuas da amizade, favorecendo muito, afinal, a fusão para unidade da nova raça.
Portanto, em resumo, repetindo o que se disse até aqui: um acolhimento mais franco da parte dos brasileiros, mais tolerância no sentido político, religioso e nacional, seria desejável e necessário; o que restaria ainda a desejar, no interesse da imigração, não é menos do interesse do próprio povo brasileiro.
Já demasiadas vezes tivemos que repisar que no Brasil faltam as necessárias garantias para a segurança pessoal. Em certo grau, sem dúvida, a culpa disso está nas condições naturais; em parte alguma, em regiões meio selvagens, povoadas por gente em parte apenas meio civilizada (inclusive na América do Norte), o braço de autoridade chega para garantir por todos os lugares a paz e a ordem e proteger o cidadão pacato contra as violências dos perturbadores da ordem; os indivíduos isolados têm que se defender sempre com seus próprios braços, e o imigrante também terá que se conformar com esta desvantagem, diante dos muitos proveitos que oferece em outros sentidos uma terra nova.
Porém, esse mal geral é ainda piorado no Brasil por mais duas circunstâncias especiais. Primeiro, pela legislação sobre o serviço militar; como está traçada e como é posta em prática, já o vimos (cap. XV), e não deve, portanto, causar espanto a ninguém, se o emigrante, só por esse motivo, desanima de estabelecer-se e naturalizar-se no Brasil. Certamente, da parte do Brasil recorreu-se a um expediente, limitando o colono lavrador a servir na milícia, isentando-o do recrutamento para o exército; todavia, só isso não pode bastar; também a perspectiva de que já os filhos serão sujeitos a tal caçada ao homem, deve causar horror ao imigrante.
E, assim como já esse é um dever para com o próprio povo, sobretudo no que diz respeito à imigração, torna-se premente necessidade submeter toda a legislação, referente ao serviço militar obrigatório, a uma radical reforma.
A segunda das mencionadas circunstâncias é a triste condição dos negócios da justiça, que nós igualmente já comentamos antes detidamente (cap. XIII).
Também neste sentido, pelos dois motivos, torna-se necessário remediar sem demora e energicamente; não se podendo coibir de vez os abusos na aplicação da justiça, ao menos deveria o governo reformar a organização dos negócios da jus-tíça, especialmente dando cumprimento à disposição da constituição, que concede a cada província uma corte de apelação.
Quanto temos apontado, refere-se a concessões e reformas que são necessárias, por um lado, para defender os interesses e, por outro, para atrair uma imigração essencialmente agrícola que, transpondo os mares, renuncia definitivamente à velha pátria, para criar raízes na nova.
Existe, porém, ainda uma segunda espécie de imigração: referimo-nos à corrente de comerciantes, capitalistas e industriais que, ou desde logo pretendem regressar para o futuro à velha pátria com o seu ganho, ou cuja resolução fica, entretanto, dependente de futuras circunstâncias; em suma, a imigração de residentes estrangeiros.
Em princípio, e em regra geral, esta segunda imigração não é absolutamente tão importante para um Estado, como a primeira, e não pode exigir iguais favores: também a este respeito vemos que, nos velhos Estados europeus, esses residentes estão em geral sujeitos a uma legislação diversa, para o beneficio dos cidadãos (nascidos no país ou naturalizados), e que muitas peias são impostas às suas atividades. O mesmo acontece no Brasil; os residentes (já se vêem excluídos dos privilégios de cidadão, por outro lado isentos do serviço militar no exército e na milícia) são sujeitos de muitos modos a mais altos impostos, e alguns ramos de indústria lhes são mesmo inteiramente vedados, como, por exemplo, a navegação costeira, e outros concedidos só condicionalmente.
Como já se disse, por princípio e pelo costume geral, nada se pode objetar contra esse sistema; porém, no ponto de vista prático, devemos duvidar de que ele seja conveniente para o Brasil. Nos velhos Estados europeus, onde em regra todos os ramos da economia nacional estão mais que repletos, o residente estrangeiro pode ser considerado como concorrente, que se deve cercear; porém, não num país como o Brasil, onde o residente, ao contrário, vem preencher as profissões de atividade nacional, para as quais o próprio povo não tem ainda o preparo, nem o capital, nem os braços, onde, portanto, o residente vem constituir-se membro necessário, imprescindível, no conjunto da economia nacional.
Certamente, pode-se ainda objetar que, pelo fato de o residente regressar mais tarde à pátria, o seu ganho fica perdido para o país; porém esquece-se, então, de que, sempre, em todo caso, a sua atividade e o seu capital produziram e deixaram em determinados círculos frutuosos efeitos.
Certamente os países novos, no primeiro grau do desenvolvimento cultural, e que são exclusivamente agrícolas, lucram mais quando o estrangeiro tem a mesma liberdade de ação que o nacional.
De mais a mais, toda questão referente a estrangeiros perderia praticamente uma grande parte de sua significação, se o governo brasileiro procedesse à reforma da legislação sobre o serviço militar (de resto, tão indispensável); é fato sobejamente conhecido que uma grande parte dos residentes não se fazem naturalizar e preferem sofrer todas as desvantagens legais, somente para se livrarem do insuportável peso do serviço na milícia e dos horrores do recrutamento.
Abstraindo das considerações precedentes, deve o Brasil, em todo caso, abolir um duplo inconveniente para a imigração de residentes estrangeiros.
Primeiro, a abolição do sistema de naturalização forçada. É que somente os filhos de residentes e de imigrados, que antes da transmigração dos pais nasceram no estrangeiro, têm, segundo o art. 39 da lei de naturalização de 1832, o direito de opção: ao atingir à idade de 21 anos, têm que declarar se querem adotar a nacionalidade brasileira ou se preferem a de seu nascimento, e se querem ser daí em diante cidadãos ou residentes.
Não assim os nascidos no Brasil, depois de transmigrados os pais. Determina o art. 69, § l9, da constituição, que "são cidadãos brasileiros os que no Brasil tiverem nascido, ainda que o pai seja estrangeiro, uma vez que este não esteja a serviço de sua nação"; e esta disposição foi ultimamente esclarecida pela autêntica interpretação de 14 de agosto de 1846, no sentido de que a tais filhos não é facultativo virem a ser cidadãos, se o quiserem, porém que sem mais formalidades o são, têm que ser, — princípio que desde então se tem conservado em vigor invariavelmente, apesar de repetidas reclamações (e apesar do bom exemplo que deu o Estado vizinho do Brasil, a Confederação Argentina, pois recentemente determinou deixar aos filhos de pais estrangeiros, nascidos no país, a opção entre a nacionalidade do país de nascimento e a paterna); nem precisamos acrescentar que essa naturalização forçada dos filhos, na maioria das vezes contraria o intento dos residentes, pois estes não cuidavam de todo fundar no Brasil um lar e uma família; e que, não menos para os próprios interessados em geral, essa imposição é um peso vexatório, pois o que lucra com a naturalização em vantagens civis, sobretudo, ao negociante não parece compensação bastante para o serviço na milícia e para o recrutamento, ao qual eles ficam sujeitos.
Com esta objeção da naturalização forçada relaciona-se intimamente a segunda, que diz respeito à administração do patrimônio de residentes estrangeiros. Ainda subsiste no Brasil, do tempo colonial português, uma autoridade especial, o denominado "juiz de órfãos, de ausentes e falecidos", em cujas atribuições incidem as coisas concernentes a heranças; acontece, porém, que a experiência feita ensina que a administração desses magistrados não tem sido ordeira, honesta e desinteressada, como seria para desejar.
Tanto mais têm exigido os governos estrangeiros, nos casos em que a morte de um de seus súditos acarreta negócios de herança, a intervenção dos seus respectivos cônsules, como naturais curadores do acervo e dos sobreviventes, para agir ao lado do juiz de órfãos; isso era habitualmente estipulado nos antigos tratados de comércio e de amizade e, também depois da expiração do termo, foi de novo expressamente concedido pelo governo- do Brasil, após alguma hesitação, pela lei de 8 de novembro de 1851. Porém, somente para o caso em que os herdeiros de um residente estrangeiro sejam estrangeiros, não nascidos no país; se, ao contrário, os mesmos estão sujeitos a naturalização forçada, fica rigorosamente excluída toda intervenção dos funcionários do consulado.
Estes dois pontos, a naturalização forçada e a administração das heranças, causam a mais desagradável impressão desde anos, sobretudo à gente do comércio, e têm dado motivo continuamente às mais vivas reclamações diplomáticas.
"Uma remodelação das leis em questão, em sentido mais liberal, seria prudente e sábia. Se, com um sistema mais benévolo e liberal, também muitos abusos cessariam, em todo caso o próprio Brasil, em suma, lucraria com isso" (Reybaud).
Assim, indicamos as reformas e as concessões que, segundo a opinião concorde de todos os julgadores competentes na matéria, devem necessariamente ser instituídas, se o Brasil quer ver crescer a corrente de imigração européia espontânea, tal qual lhe é indispensável.
O tempo urge; a imigração não é para o Brasil simples necessidade para o futuro, para maior desenvolvimento da colonização e civilização, mas também uma exigência do presente, para a manutenção do estado atual econômico e político e do bem-estar nacional. E, já por essa razão, ainda que contra muitas dessas reformas continuem a fazer-se valer preconceitos arraigados e teimosos, dificilmente eles poderão opor eficaz resistência à vontade sincera e à iniciativa enérgica do governo imperial, ao qual não faltará o apoio de todos os esclarecidos amigos da pátria.
Porém na Europa e, sobretudo, na Alemanha, quando se comprovar a firmeza dessa vontade, demonstrada por fatos autênticos, cederá logo, pouco a pouco, e sem tardar, o preconceito contra o Brasil, de que ele próprio tem culpa, para dar lugar a uma amistosa benevolência.
Certamente, — não se deve esquecê-lo, — o Brasil, mesmo assim, ficará, no princípio, em inferioridade, comparado aos Estados Unidos da América do Norte, para onde a imigração alemã, atraída por mil laços de família, persiste de vez com o seu tradicional afinco; com o tempo, todavia, isso poder-se-á ir igualando, e uma corrente forte, magnífica, de imigração européia acordará para a vida, e fecundará então os tesouros adormecidos, primeiramente no Sul, indiretamente, porém, os de todo o conjunto do Brasil.
TÁBUA DOS GOVERNANTES DO BRASIL
I — Dinastia de Borgonha; reis de Portugal e Algarves
19 — D. Manuel, o Venturoso, t 13 de dezembro de 1521; 2? — D.João III, t 10 de junho de 1557; 3"? — D. Sebastião, t 4 de agosto de 1578; 4? — D. Henrique, t31 de janeiro de 1580.
II — Dinastia de Habsburgo; reis de Espanha e Portugal
59 — D. Filipe II, t 13 de setembro de 1598; 6? — D. Filipe III, t 31 de março de 1621; 7° — D. Filipe IV, destronado a 1? de dezembro de 1640.
III — Dinastia de Bragança
Os príncipes herdeiros de Portugal, príncipes do Brasil 27 de outubro de 1645-9 de janeiro de 1817.
a)Reis de Portugal e Algarves; 8? — D. João IV, t 6 de novembro de 1656; 99 — D. Afonso VI, deposto a 23 de novembro de 1667; 10? — D. Pedro II, t 9 de dezembro de 1706; ll9 — D. João V, t 31 de julho de 1750; 12? — dom José Manuel, t 24 de fevereiro de 1 777; 13? — D. Maria I (com o rei-consorte d. Pedro III), transmigrada para o Brasil a 29 de novembro de 1807.
O Brasil Reino, 16 de dezembro de 1815.
b)Reis dos Reinos Unidos de Portugal, Brasil e Algarves: 13? — D. Maria I, t 16 de março de 1816; 14? — Dom João VI, príncipe regente desde 1799, regressou a Portugal a 26 de abril de 1821, 110 de março de 1826.
Declaração da Independência do Brasil, 7 de setembro de 1822
Brasil Império, 12 de outubro de 1822
c)Imperadores do Brasil: 15? — D. Pedro I, regente desde 1821, abdicou a 7 de abril de 1831, t 24 de setembro de 1834; 16? —
D. Pedro II, maior desde 23 de julho de 1840.
Li-Sol-30
Fonte:
CONSCIÊNCIA:.ORG
http://www.consciencia.org/o-brasil-e-a-imigracao-consideracoes-finais-da-historia-do-brasil-do-alemao-handelmann
vias e eventos de tempestades
-montanhas de memória.
ade.