domingo, 15 de agosto de 2010

A BELA ADORMECIDA - Perrault


A BELA ADORMECIDA NO BOSQUE

UM príncipe amava a caça de tal sorte que viva sempre nas florestas e tapadas, procurando peças. Uma vez perdeu-se num bosque e caiu a noite antes que lograsse sair dele. Lá pela noite cerrada encontrou a cabala de um lavrador que agasalhou como pôde, dando-lhe de cear e conver sando. Pela manhã, o príncipe viu por cima do arvoredo as torres de um castelo desconhecido e perguntou quem ali morava. 0 lavrador respondeu que era história velha do tempo antigo. O príncipe insistiu para saber e o velho Ilha contou.

Era ali o palácio de um rei que não tinha filhos quando muito os desejava ter. Finalmente a rainha deu à luz e houve muita festa, convidando o rei todas as fadas para o batizado, mas esqueceu de convidar a fada mais velha porque não se ouvia mais falar nela, julgando todos que houvesse morri do. No dia do batizado as fadas compareceram e também a fada velha que vinha zangada por não ter sido chamada também. As fadas foram para perto do berço da menina que nascera e deram os dons de ser bonita, alegre, agradável, trabalhadora, prudente, fiel, etc. Quando acabaram, a fada velha fadou que a menina havia de meter às unhas uma pua de roca e morreria aos quinze anos. Todos ficaram muito tristes mas apareceu a fatela mais moça, que se escondera, dizendo que não podia desman char os fados já dados mas fadava a menina para que dormisse cem anos sem ficar velha e fosse despertada por um príncipe com quem casaria, sendo muito feliz.

O rei proibiu que se fiasse no reino, para que a menina não cumprisse a sina, mas foi debalde porque, com quinze anos, a princesa encon-ou uma roca e querendo-a mexer, meteu uma pua nas unhas e caiu como morta. Todos que estavam O castelo adormeceram também e os pais da meni na já morreram; o reino mudou-se para longe fe só ficou o castelo que é aquele que se vê todo cercado pela floresta.
0 príncipe ficou ansioso para verificar a ver-ade e, despedindo-se do lavrador, dirigiu-se ao caseio, atravessando com dificuldade a mata de espinhos que o cercava. Encontrou um palácio grande e bonito e cheio de gente dormindo por todos os cantos, criados, camareiros, soldados, oficiais, cozinheiros, até os animais dormiam no estábulo e cavalariça. O príncipe subiu e passou por muitas salas douradas onde as damas estavam adormecidas e, num quarto muito adornado, viu uma moça linda dormindo numa cama. Aproximou-se, tomou-lhe a mão, beijou-a e a moça abriu os olhos, sorrindo.
Logo todo palácio acordou e foi um barulho de ordens e passos, vozes de animais e músicas. O príncipe ficou muitos dias com a princesa, sem ter coragem de deixá-la.

Voltou para casa e sempre que podia vinha ter ao castelo para ver sua mulher e no correr dos anos, dois filhos vieram, um menino de nome Cravo e uma menina chamada Rosa. A rainha velha vivi desconfiada por seu filho não mais querer ficar n corte, mas nada descobriu. Quando morreu o rei o príncipe foi coroado e mandou buscar a princes e os dois filhos, recebendo-a como rainha soberana A rainha velha ficou furiosa e pensou em mandar matar a nora logo que pudesse.

Sucedeu que o rei foi para a guerra e a rainha velha resolveu fazer mal à inocente princesa. Chamou um criado de sua confiança e mandou que agarrasse o menino Cravo e fizesse dele um guisado! para ela comer. O criado furtou o menino mas não teve coragem de o matar; escondeu-o na sua casa, j matou um cabrito e guisou-o para a rainha velha, que o comeu todo, dizendo estar muito gostoso. Dias depois fez a mesma cousa com a princesa ! Rosa e novamente o criado escondeu a menina em sua casa e a rainha velha comeu uma ovelha pensando que comia a neta.

Faltava a nora que vivia chorando com a perda dos filhos. A rainha velha acusou-a de ser falsa ao filho e mandou prendê-la, condenando-a a ser queimada viva na praça pública. Arrumaram a fogueira e a princesa já estava amarrada ao poste e o carrasco com o archote na mão para pôr fogo a tudo, quando apareceu o rei, correndo a brida solta, em socorro de sua mulher, cuja sorte lhe fora comunicada pelo criado que fugira para ir ao seu encontro. O rei agradou muito a mulher, e a rainha velha, logo que o viu, saltou pela janela, quebrando o pescoço nas lajes do pátio. O criado foi buscar Cravo e Rosa e os entregou aos pais, contando o que fizera. O rei o recompensou muito bem, trazendo-o sempre perto a si, e todos viveram felizes.

E’ versão do Porto. Teófilo Braaga regista uma do Algarve, que deve ser secular pela construção, A saia de esquilhas, onde a princesa é salva por seu marido ouvir o rumor dos guisos que enfeitavam sua saia. A versão que colhi mantém, fielmente, a tradição clássica de Perrault, que lhe deu forma, ouvindo-a das doces vozes familiares. Dessa saia de esquilhas sei apenas de sua presença figurando entre os vestidos que a menina pede ao pai para não casar-se com êle, Pele de Asno, Pele de Burro, Cara de Pau, que têm no Brasil a versão Bicho de Palha, incluída por mim no Contos Tradicionais do Brasil, F. 821.1.5 no "Motif-Index de Stith Thompson. (III, 175).

A versão do Porto é a mesma de Perrault. O Mt. 410 de Aarne-Thompson, Sleeping Beauty, não regista, nos elementos, a antropofagia da sogra da princesa. De indispensável leitura, tratando de conto de Charles Perrault, é o volume de P. Saintyves, Les contes de Perrault et les récits parallèles, leurs origines, costumes primitives et liturgies populaires. Paris, 1923, corn as naturais ressalvas às suas interpretações meteorológicas.
 Fonte: CONSCIENCIA:.ORG

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